A não ser da memória de uns tantos jovens e adolescentes – todos eles, hoje, ostentando o algarismo 7 como inicial de suas idades – ninguém (mais moço) saberá do bucólico da dita nova capital. Goiânia daqueles tempos orgulhava-se de seu crescimento, tinha pelo menos duzentos mil habitantes, tinha um comércio pujante e uma indústria incipiente – salvo pontos esparsos de serraria, serralheria e alguns outros menos expressivos, nossa indústria se representava por costureiras e alfaiates.
Os automóveis eram poucos. Parte da frota era anterior ao início do fabrico nacional de carros Volkswagen, DKW Vemag e Simca. A Willis fabricava jipes com projetos visuais e mecânicos como os da guerra mundial, a Ford e a GM (Chevrolet) fabricavam caminhonetes e caminhões. Eram essas as marcas das máquinas que transitavam pelas ruas, admiradas pelos pedestres que as reconheciam, associando cada um aos seus poderosos proprietários.
A juventude de que falei acima se ocupava de estudar e suas referências fortes eram os colégios públicos – o Liceu e o Pedro Gomes, mais o Instituto de Educação (formador de professoras normalistas) – e os particulares Ateneu Dom Bosco, Externato São José, Maria Auxiliadora, Assunção e Santa Clara. O lazer era nos cinemas, aglutinados em dois polos – o centro novo, aquele projetado por Atílio Correia Lima, e o antigo, o bairro de Campinas, que fora município independente até que se fundisse a outras terras vizinhas, mudando o nome para o recém-escolhido Goiânia.
Na realidade, o que comemoramos a 24 de outubro é a data da pedra fundamental da nova capital. A cidade, respeitando-se a História, é a mesma Campinas (ou Campininha das Flores) que desaparece da lista de municípios, substituída por Goiânia.
A que vem isso? A nada. Estou relutando para ver se dói menos. A semana foi marcada com duas notícias tristes. No domingo, dia 12, faleceu solitário o jornalista Luiz Jayme, amigo e colega de ofício no DM. A notícia chegou-me um tanto lacônica, dando conta de sua passagem para o outro plano, acrescentando que fora cremado, como era de sua escolha. Filho do meu amigo e mestre, na PUC, José Sizenando Jayme, Chi (era o seu apelido) era, pois, neto do genealogista Jarbas Jayme.
Ainda sob o efeito dessa triste notícia, chega-me outra de igual teor, na quinta-feira, 16: o seresteiro William José, que enfeitou as noites goianienses desde aqueles verdes anos de 60, isto é, no albor de sua adolescência, também se foi, para tristeza de nossos ouvidos e corações. Nos primeiros momentos do encontro de despedida, na capela do Cemitério Jardim das Palmeiras, notáveis músicos do cancioneiro goianiense – cantores e instrumentistas, muitos deles também compositores e, enfaticamente, parte expressiva de tais musicistas se constitui de irmãos e sobrinhos do grande cantor de tantos gêneros.
Lembrei-me dos que se foram antes e que, também, desfrutaram da companhia de William: Josafá Nascimento, Geraldo Amaral, Nappa, Anete Teixeira, Paulinho de Assis, Cláudio Vespar...
De memória excelente, o violonista Hermes da Fonseca Júnior registra que ele próprio e Willian começaram sua carreira num conjunto de adolescentes, Os Invictos, na década de 60. Em seguida, o jovem e inquieto cantante integrou-se a Marquinhos e seu Conjunto (destes, somente o baixista Alemão e o baterista Xará continuam entre nós).
Em pouco, dezenas de colegas, companheiros e amigos que praticaram a feliz parceria com William reforçavam o grupo, cada qual trazendo suas lembranças para demonstrar o quanto o pranteado amigo enriqueceu a vida goianiense.
Sim! Não é só de asfalto e automóveis, edificações e regras que se faz uma cidade. A cidade é gente, na mais ampla variedade de tipos e ofícios. Alguns se dedicam a construir, outros a distribuir comercialmente, outros a educar e refinar espíritos – como os professores e os artistas.
Luiz Jayme espalhava notícias e se fazia bom amigo de atos e falas felizes, folclóricas, animadas. William chegava marcante, com aquele corpanzil visível de longe e a voz de risos e saudações para, em pouco tempo, atingir-nos mais fortemente n’alma com seu canto e seus acordes, sempre com variadíssimo repertório.
Sem eles, ficamos tristes. E a cidade, mais pobre.
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(Luiz de Aquino, professor, jornalista e escritor, membro da Academia Goiana de Letras )