O relacionamento com o cliente ou possível consumidor, via telefone e mídias sociais, ocupa gigantescas estruturas de teleatendimento em todo o Brasil, especialmente na cidade de Goiânia. Diadema de Satanás é o apelido dado ao headset; equipamento utilizado para a escuta e fala, dispensando o auxílio das mãos.
A diversidade de estilos, ideologias, raças e pluralidade sexual são aspectos marcantes. As centrais de atendimento são formadas por significativo número de jovens universitários, em parte, migrantes do Norte e Nordeste. Apresentam grande percentual de homossexuais. Constituem-se de pessoas de baixo poder aquisitivo. Inicialmente na capital de Goiás, a moradia se estabelece em casa de parentes ou residências alugadas em grupo, para dividir as contas. São adolescentes em processo de construção ou reformulação da própria identidade. Buscam superar amarras íntimas, limitações sociais e econômicas. O meu foco aqui, retrata peculiaridades do dia-a-dia do teleoperador.
Após o processo seletivo ocorre a formalização do contrato de trabalho, e em seguida inicia-se o período de treinamento, em média 15 dias. Este é de qualidade duvidosa. O instrutor é um tanto quanto circense. O objetivo é transmitir um clima empresarial agradável, promissor e estimulante. A recepção calorosa por parte dos colegas é sincera. Completados 30 dias de trabalho, não se é mais considerado novo ingressante na empresa. Certamente outra turma está chegando ao piso de atendimento. Cabe a este veterano de um mês, o auxílio nas dúvidas iniciais. A síndrome do estresse do trabalho está conectada ao cotidiano do teleoperador. A remuneração e os benefícios concedidos ao atendente, não permitem ao indivíduo ter suas necessidades básicas supridas. Em cada andar, observa-se centenas de profissionais amontoados sobre um carpete infestado por ácaros, e nem sempre o funcionamento do sistema de refrigeração está a contento. Goiânia abriga as centrais de relacionamento de quatro grandes operadoras de telefonia e internet do país. Operando 24 horas por dia. Todos os meses ocorrem contratações e demissões. O sindicato da categoria não representa seu filiado de maneira coerente.
Presenciei diversas situações desestabilizadoras nas centrais de relacionamento. Fraudes, abuso de autoridade, pessoas em crise nervosa, tentativas de suicídio, assédio sexual, aborto em banheiros, funcionários mantendo relação íntima em salas desativadas, gente atendendo alucinada sob efeito de drogas, e maridos divorciando de esposas, para assumirem caso amoroso, com colega do mesmo sexo. São alguns exemplares de realidades testemunhadas por mim. O call center é um ambiente supersexualizado. Diversos aspectos relativos à sexualidade na sociedade contemporânea são aflorados, ou seja, a sexualidade antes reprimida se afirma instintiva, e às vezes, esvaziada de cuidados e pudores. No transporte coletivo de passageiros que percorre as proximidades destas empresas, temos a oportunidade de ouvir conversas entre os atendentes, nestas, descrevem e discutem relativo a rotina de trabalho. Fazem chacotas dos clientes alterados emocionalmente devido a reincidência de suas reclamações, e a incidência de prejuízos devido a falhas ou total inoperância de seus circuitos de telefonia, internet e cobranças abusivas em suas faturas.
O trabalho como teleoperador não foi meu primeiro emprego. Neste sentido fui um ponto fora da curva na cidade. Diariamente é imposta a quantidade de minutos específica a ser respeitada para cada perfil de contato e tratativa (tempo médio de atendimento). O índice de monitoramento nas chamadas e contatos, pela auditoria do departamento de qualidade é menor que 0,5%. São seis horas e vinte minutos de atividade diária, divididas em três pequenos intervalos para descanso e necessidades fisiológicas. Todas essas pausas são aferidas por software específico que emite relatório em tempo real. De forma que a medida disciplinar possa ser aplicada imediatamente, de acordo com as normas internas infligidas e humor da supervisão. Pela minha experiência, atesto que não problematizar e ter boa assiduidade, garante ao funcionário dias menos tensos e maiores chances de ascensão. De certa forma a meritocracia funciona nesses locais. O call center é um ótimo laboratório, para jovens universitários adquirirem maior bagagem prática de relacionamento interpessoal.
Ocorrem instantes de interação excelentes, longe da diadema de Satanás. De maneira voluntária, semanalmente os membros de cada equipe se reúnem para lancharem juntos. Organizam campeonatos e churrasco, fora do horário de expediente de trabalho. Marcam presença em barzinhos para beber e trocar ideias. Esses momentos são imprescindíveis para manutenção da boa saúde mental e física. As empresas disponibilizam o canto da descompressão; recanto utilizado para uma soneca e relaxar.
Ferramentas para validar processos e estabelecer o acompanhamento dos indicadores, existem, apenas não são utilizadas com assertividade pelos dirigentes. Há estruturadas as academias de capacitação para lideres. Infelizmente representam modelos de gestão e programas frustrados, não são eficazes. Falta peito para desenvolver a ética e criar mecanismos motivacionais interessantes. Estou falando do desenvolvimento de bons valores, remuneração digna e plano de carreira atraente. Esse seguimento de prestação de serviços necessita de reinvenção. É preciso estabelecer novas formas de lidar com antigos desafios.
(Ronaldo Marinho, escritor, gestor e acadêmico de Tecnologia em Marketing)