Os período que correspondeu aos dois governos de Lula (2003-2010) teve como lastro econômico o crescimento da economia mundial e uma liquidez internacional expressiva, beneficiando as exportações brasileiras e as contas externas do país (balança comercial e balanço de pagamentos). O lastro político foi um pacto nacional que combinou a obtenção de superávits fiscais (para honrar os compromissos com os credores internos e externos do governo) e a implementação de políticas sociais e de crédito que melhoraram a distribuição de renda e ampliaram o mercado interno como nunca.
Menos sorte teve Dilma Rousseff, cuja política econômica, calcada na mesma lógica de seu antecessor, porém sob condições de crescimento e liquidez internacional adversas, naufragou, junto com seu capital político e a credibilidade de seu partido. Não chegou a governar em seu segundo mandato, vítima de um golpe parlamentar-jurídico-midiático (ainda em curso) que se aproveitou do resultado eleitoral que revelou um país dividido ao meio.
Em pouco tempo, o governo Temer – que não é fruto de um pacto democrático e só se mantém mediante acordos espúrios com o que há de mais atrasado na política brasileira (o baixo clero parlamentar, setores quase-fascistas da opinião pública liderados pela grande mídia e grupos específicos no aparato estatal jurídico e repressivo), e graças à baixa densidade cidadã que caracteriza o eleitorado desde sempre -- pôs por terra o pacto estabelecido e conduzido por “Lulinha Paz e Amor” (que não sem controvérsia foi chamado de neodesenvolvimentismo).
Na prática, o grupo ora no poder (em sua maioria a velha-guarda pré-Constituição de 1988) vai rapidamente revertendo tudo que apontava na direção da redistribuição de renda e da soberania popular e nacional, na medida em que o pacto em curso começou a “ficar caro” para os mais ricos, a partir do momento em que o crescimento se reverteu (diminuindo o “bolo” a dividir), na esteira da crise financeira internacional de 2008. Está em curso, como consequência, um novo conflito redistributivo, dessa vez os de cima buscando retirar renda e riqueza dos de baixo, sem a menor cerimônia ou dor de consciência.
O discurso teórico que sustenta esse giro radical na política econômica é o da necessidade de reduzir os riscos que elevam a taxa de juros (basicamente os riscos decorrentes da elevação da relação da dívida/PIB, puxada pela potencial crise previdenciária) e de “modernizar as relações trabalhistas” encarecedoras da produção (o que implica, de fato, numa volta à era pré-capitalista das relações de trabalho), para com isso criar um ambiente de negócios favorável à retomada do crescimento.
Esquecem-se, os que abraçam esse discurso duvidoso, com ares de ciência (que, aliás, despreza a História), que não há ambiente de negócios favorável onde a massa salarial mingua, o desemprego é mascarado por subempregos, as receitas tributária e previdenciária caem, o governo cuida apenas do pagamento da dívida (sem, entretanto, solucioná-la) e sucateia dramaticamente os serviços públicos e as políticas públicas. Esquecem-se, sobretudo, de que não haverá Nação alguma – nem mercado -- onde o povo é excluído, onde não há projeto de desenvolvimento sendo urdido e onde as relações com o resto do mundo aceitam o neocolonialismo submisso às finanças internacionais.
(Valdemir Pires e Cláudio Paiva, professores da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara)