Em 1952, há 65 anos, desaparecia desse mundo, de tantas provações e sofrimentos, o grande educador, jornalista, artista, administrador, médico belavistense, Dr. Vasco dos Reis Gonçalves, talentoso em todos os sentidos; mas machucado pela realidade e pelas vicissitudes da vida, que não conseguiu superar a imensa tristeza interior e antecipou o próprio fim.
Ninguém pode julgar o que se passa num coração atormentado de um homem na beira do próprio abismo e da perturbação espiritual, geradora do ato de desespero. Deus o tenha libertado de tão grande aflição!
Pisamos nesse mundo o solo ardente da dor e ninguém é capaz de conhecer a história infinita e dolorosa de cada pessoa.
Mas ele não foi esquecido. Sua memória vive em nossos corações.
Na cidade de Goiânia, na Avenida Mutirão, com a Avenida T-48, está o Colégio da Polícia Militar de Goiás – Unidade Polivalente Modelo Vasco dos Reis Gonçalves, na importante localização geográfica do Setor Oeste, subordinado administrativamente à Subsecretaria Metropolitana de Educação e à SEDUCE.
Há, também, o Colégio Estadual Vasco dos Reis Gonçalves, na cidade de Luziânia, no poético e telúrico Jardim do Ingá, Subsecretaria de Luziânia e o Colégio Estadual Vasco dos Reis Gonçalves, na região central da cidade de Urutaí, Subsecretaria de Pires do Rio, todos a dizer da sua história dolorosa, mas com êxito.
O Patrono dessas Escolas foi um admirável goiano que, na qualidade de médico e de professor, muito honrou a nossa história. Merece, de fato, ser lembrado nessas localidades diferentes onde plantou a semente de seu saber e de sua cultura.
Em 1952, na então Capital Federal, Rio de Janeiro, falecia, de forma trágica e inesperada, o grande goiano, médico e político, Dr. Vasco dos Reis Gonçalves. Seu triste suicídio teve repercussão dolorosa não só em Goiás, mas em todo o Brasil, haja vista as qualidades humanitárias e culturais do extinto e pelo muito que já havia feito tanto na medicina quanto na administração pública em apenas pouco mais de cinquenta anos de vida.
E fechamos aqui as considerações de seu passamento porque não nos cabe julgar o seu ato extremo; já que o coração humano é um oceano profundo de dores e medos, de receios e temores, que cada um carrega conforme pode suportar. Que Deus o possa ter recebido no seio da eternidade no perdão de todo o fadário humano e suas vicissitudes sobre o mundo.
O que nos importa em Vasco dos Reis Gonçalves é sua vida vitoriosa em todos os sentidos. Um lutador, um batalhador intelectual. Um homem brilhante e arrojado, sem ostentações ou vaidades excessivas. Militante da medicina, da política, do magistério, da literatura, do teatro, conseguiu ser brilhante e genial em todos os caminhos que palmilhou.
Nasceu Vasco dos Reis Gonçalves na bela terra dos “buritizais sussurrantes” de Leo Lynce, a poética e evocativa Bela Vista de Goiás, antiga Suçuapara, em 05 de abril de 1901, nos albores do século XX. Vinha ele de uma família ilustre e abastada, filho do político de destaque em seu tempo, Dr. Manoel dos Reis Gonçalves, corumbaense ilustre, nascido em 1857 e falecido em 1935.
Seu pai exerceu diversos cargos parlamentares como Deputado Estadual (1895-1897/1898-1900) e Senador Estadual (1901-1904/1905-1908/1909-1912/1913-1916/1917-1920), com grande influência no período da República Velha em Goiás. Foi ele casado com Angélica Honorina dos Reis Gonçalves e teve vários filhos de destaque na sociedade belavistense, vilaboense e mais tarde goianiense.
Vasco dos Reis Gonçalves passou os primeiros anos de sua vida na poética Bela Vista de Goiás, no casarão de esquina com os familiares do Senador Canedo, na Praça da antiga Igreja de São Sebastião. Mais tarde, passou a residir na antiga Capital, Cidade de Goiás, onde seu pai exercia os cargos políticos de representação.
Hoje sua bela casa pertence à ilustre escritora Nancy Ribeiro de Araújo e Silva, presidente da Academia Belavistense de Letras. Uma mulher notável.
Assim, fez seus estudos no Lyceu de Goiás. Nessa época, desde 1915, já começou a escrever seus primeiros versos inspirados, no estilo misto entre romântico e parnasiano. Foi na Cidade de Goiás que seu lirismo e seu telurismo se acentuaram
Em tudo achava ele inspiração na terra vilaboense. Nas rolinhas fogo-pagô dos telhados seculares, nas ruas sinuosas, nas cajazeiras dos largos, nos rios cantantes, no coaxar dos sapos no Rio Vermelho. Goiás, velha capital, enlevou sua alma a mais pura inspiração para cantar o belo.
Terminados seus estudos secundários no Lyceu da Cidade de Goiás, partiu, em 1920, para o Rio de Janeiro no intuito de cursar a Faculdade de Medicina, onde foi aprovado com distinção.
No Rio de Janeiro fundou a Sociedade Goiana de Geografia juntamente com o talentoso Moisés Santana e uma Sociedade beneficente para apoio aos estudantes goianos radicados na então Capital Federal. De 1922 a 1927 realizou seus estudos em Medicina, colando grau em 1928, quando retornou a Goiás. Aqui se integrou no movimento de modificação política que agitou os estertores da República Velha. Com seu idealismo, sonhava com dias melhores para o povo goiano. Começou a trabalhar como professor do Lyceu.
Vitoriosa a Revolução de 1930, Dr. Vasco dos Reis Gonçalves passou a ser um dos maiores entusiastas da mudança da capital para local de melhor acesso. Em 1931, passou a lecionar na Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Goiás e, em 1932, participou da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, que chega agora aos 85 anos de existência fecunda na intelectualidade goiana. No ano de 1934 foi leito Deputado à Constituinte goiana e assumiu interinamente o governo, por viagem do Interventor Pedro Ludovico Teixeira, de 19 de julho a 03 de agosto desse mesmo ano. Por alguns dias foi ele Governador de Goiás!
Em 1936, Vasco dos Reis Gonçalves ingressou na Força Pública Goiana, hoje Polícia Militar do Estado de Goiás como Capitão Médico, quando chegou, mais tarde, ao cargo de Major. Dois anos depois, fundou e dirigiu a importante Revista de Educação do Estado de Goiás, destinada a divulgar os feitos da instrução pública no Estado, mais tarde, dirigida por Amália Hermano Teixeira, Benjamim Roriz, Floracy Artiaga Mendes.
Foi Secretário de Educação e Saúde de Goiás, nos primeiros tempos de Goiânia e sua atuação foi decisiva para a melhoria do ensino nos duros tempos após a Revolução de 1930.
A Revista de Educação e Saúde de Goiás fez história no seu tempo e no seu meio e serviu de exemplo para outros estados do Brasil pela riqueza de seu conteúdo e o auxílio à inovação das práticas pedagógicas.
Nesse mesmo ano, escreveu a Revista Goiânia, com músicas de Joaquim Edson de Camargo, que foi representada no teatro Goiânia, em Campinas e em Trindade, com absoluto sucesso. No ano seguinte, ajudou a fundar a Academia Goiana de Letras, juntamente com o Dr. Colemar Natal e Siva, escolhido para assumir a Cadeira 002 da referida instituição.
Nos anos de 1940, Dr. Vasco dos Reis Gonçalves assumiu novamente a Secretaria de Estado da Educação e Saúde, com grande competência e idealismo, quando auxiliou em todo o Estado na resolução de graves problemas. Foi um dos fundadores da pioneira Revista Oeste, veículo do Estado Novo, lançada no Batismo Cultural de Goiânia em 1942. Nesse mesmo ano, lançou seu livro Pelo Estado Novo, em defesa do regime de então, encabeçado por Getúlio Vargas. Reuniu, também, seus versos num caderno intitulado Umbral, que jamais publicou, infelizmente e que pelo título, era prenúncio de sua infeliz alma atormentada intimamente.
Belíssimo o trecho de seu poema Finis, como a adivinhar a tristeza do fim: "Tu que arrojas ao mar, tão sombranceiro,/ O barco ingente e rijo que manobras;/ Tu que nasceste para mensageiro/ De eternos sonhos e de grandes obras,// Leva da costa o barco aventureiro,/ Já que, em tredos parcéis, não mais soçobras;/ Abre as velas e, impávido, ligeiro,/ Galga do oceano as mais longínquas dobras.// Sê sempre forte! e, para que não sintas,/ Alguma vez, no rútilo futuro,/ O hálito vil de escâncaras famintas,// Deixa um rastro de espuma em cada vaga,/ Mostra aos fracos e tímidos que um puro/ Rasga os antros da vida e não naufraga."
Belo também sua produção intitulada Os olhos: "Se te atrair um dia à luz de uns olhos/ Negros, quais mágoas fundas de um pesar,/ Foge, tem medo deles, são escolhos/ Em que na vida um dia hás de encravar.// Se outros vires, quais azuis safiras/ Da cor do manto da amplidão celeste,/ Não creias neles, são banais mentiras,/ Como é
mentira o azul que as nuvens veste.// São verdes outros, como as ondas mansas/ Que vêm na praia um ósculo pousar.../ Esses te escondem tétricas vinganças/ Como as esconde o traiçoeiro mar.// Os olhos fulvos são como as procelas,/ Que lá se escondem sob as nuvens claras./ Que mais terríveis são porque são belas/ E mais falazes são porque são raras.// Outros são baços, cor de terra, pardos;/ São como folhas secas a encobrir/ A ponta aguda de acerados cardos/ Em que, tocando, podes te ferir.// Enfim, se queres ser feliz na vida,/ Não creias nunca num olhar sequer;/ Não há traição fatal mais bem figida/ Que os dons sutis de uns olhos de mulher."
No ano de 1945, com a abertura democrática, elegeu-se Dr. Vasco dos Reis Gonçalves suplente a Deputado Federal pelo PSD, clinicou por algum tempo na cidade de Pires do Rio e passou a residir no Rio de Janeiro. Foi, também, Presidente da Academia Goiana de Letras em 1948 e, em 1951, fundou, no Rio de Janeiro, a Concentração Tradicionalista Goiana, último ato antes de seu trágico fim, a 20 de janeiro de 1952, aos 50 anos de idade.
Desapareceu o homem na fragilidade de todos os sentimentos e na efemeridade da carne, mas ficou sua obra e seu legado imperecíveis. Foi ele relembrado em nome de diversas escolas em Goiânia e no interior do Estado de Goiás, em nome de logradouros e grêmios estudantis, de instituições culturais e como um dos Patronos da Academia Goiana de Letras, da Academia belavistense de Letras.
Na casa onde nasceu há uma bela placa ali colocada pela Academia belavistense de Letras, no Largo poético onde veio ao mundo e que havia a bucólica igrejinha de São Sebastião, levada pela voragem do tempo.
Na lembrança de sua passagem pelo mundo, o registro de sua vida honrada e limpa para o bem do povo goiano, sua trajetória política sem máculas, seu humanitário exercício da medicina e sua dedicação às letras goianas.
Na pureza e genialidade de seus versos fica seu legado e a certeza de que não desapareceu do cenário da alma goiana, e que a sua lembrança se insere na eternidade daqueles que amam, de fato, a terra de Goiás.
Que a queda do seu frágil corpo, como nosso corpo, o tenha levado ao conhecimento da totalidade. Pela sua doença espiritual, por certo (eu creio) ganhou o perdão de Deus pelo ato desesperado, na ânsia do infinito. Forjado a curar a dor do
outro, no dinamismo da Medicina, não foi capaz de curar a dor de sua alma pura e entregue aos machucados dos sofrimentos humanos, por certo, descansado em Deus, serenou o ímpeto do amargor e trilhou outras estradas com seus pés feridos dos espinhos desse mundo.
Jesus veio para praticar o perdão e, ao certo, no julgamento de seus atos, abriu-lhe os braços e pronunciou serenamente o seu nome entre os eleitos. Não creio num Cristo julgador implacável, pois Ele, como nosso Pai, sabe conhecer grandezas e misérias íntimas de nosso coração; lugar que ninguém conhece ao certo.
E que cada aluno desses Colégios possa conhecer, de fato, o genial Patrono que escreveu, com alma e coração, dor e sofrimento, as páginas de sua vida; hoje o grande livro da superação, mas, também da imperecível saudade!
(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, Graduado em Letras e Linguística pela UFG. Especialista em Literatura pela UFG. Mestre em Literatura pela UFG. Mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG. Pós-doutorando em Geografia pela USP. Professor. Poeta. bentofleury@hotmail.com)