Os números preocupantes sobre a saúde do brasileiro indicam que alguns hábitos alimentares, associados a uma vida cada vez mais sedentária, favoreceram o crescimento da incidência dos índices de sobrepeso e obesidade e, paralelamente, de doenças como diabetes e hipertensão arterial entre nossa população. Lidando com problemas de saúde semelhantes aos de países desenvolvidos, o Brasil precisa reforçar suas políticas públicas para a conscientização sobre alimentação adequada. Entre as diversas ações em curso, merece destaque a questão da rotulagem dos produtos industrializados.
Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, a discussão sobre a importância de que os rótulos informem o consumidor sobre a composição do alimento que está comprando se deu há algum tempo e estes países optaram por um modelo bastante informativo de rotulagem, aqui no Brasil chamado de modelo semafórico nutricional, que indica as quantidades de ingredientes como açúcar, gorduras e sal na parte frontal da embalagem, de acordo com recomendações de consumo diário. Cada ingrediente recebe classificações em cores que indicam se a quantidade ali contida está dentro dos limites recomendados de consumo (verde), um pouco acima (amarelo) ou bastante além (vermelho), o que parece ser um modelo bastante positivo, pois provê ao consumidor as informações necessárias para que tome a decisão mais acertada em busca de uma vida saudável.
No Brasil, a Anvisa debate neste momento o modelo a ser adotado. As discussões envolvem instituições de defesa do consumidor, a indústria alimentícia e diversas ONGs. Para alguns destes atores, uma adaptação do modelo adotado pelo Chile, que consiste em figuras geométricas na cor preta com inscrições como “alto em açúcar” ou “alto em gordura saturada”, é a mais apropriada. Segundo os que defendem a escolha, este seria um modelo de rotulagem mais eficiente na transmissão da mensagem ao consumidor. Mas cabe a pergunta: mais eficiente em informar ou em aterrorizar?
Antes de mais nada, deve-se resguardar o princípio da livre escolha do consumidor, para que ele seja, efetivamente, o responsável por definir para si um estilo de vida saudável. Induzi-lo a uma escolha por meio de uma comunicação baseada em uma espécie de ameaça, como a que preconiza o modelo dos selos pretos implantados no Chile, é defender a nocividade absoluta e inquestionável de um produto ou seus ingredientes e, se produtos alimentícios ou seus ingredientes são assim nocivos à saúde humana, deveriam, então, ser retirados do mercado.
A indústria alimentícia brasileira parece alinhar-se ao modelo escolhido pelos Estados Unidos e alguns países europeus, sendo totalmente favorável à rotulagem informativa, em oposição à que infere aos alimentos industrializados um nível de risco semelhante ao dos produtos da indústria do tabaco. A implementação da mudança nos rótulos dos alimentos – assim como iniciativas de educação alimentar e que ressaltem a importância da prática regular de atividades físicas – pode ser forte aliada para que a população construa de maneira consciente um estilo de vida cada vez mais equilibrado e saudável, escolhendo, para isso, os produtos alimentícios que achar mais adequados entre as muitas opções disponíveis no mercado. Nos países em que a rotulagem de caráter alarmista, como o selo preto, foi adotada, não se verificou grande impacto nos índices de sobrepeso ou obesidade.
É necessário, portanto, mudar a relação que temos com o alimento e com o corpo para que a perda de peso não seja um martírio, o que implica não vilanizar ingredientes presentes em nossa dieta e que têm importância nutricional e, mesmo, cultural para algumas populações. A educação alimentar e a atividade física são as principais ferramentas para promover a queda dos índices alarmantes de sobrepeso e obesidade no Brasil e em qualquer lugar do mundo. E o primeiro passo para isso é dar ao consumidor os subsídios para que ele entenda o que está comendo.
Investir em mensagens que mais amedrontam do que informam, provavelmente não trará bons resultados, pois nada que advém do medo pode ser efetivamente eficaz.
(Dr. Hugo Ribeiro, pediatra especializado em gastroenterologia e nutrologia, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Fellow em Nutrologia Infantil pela Universidade de Cornnel em New York. Coordenador e pesquisador do Centro de Pesquisa Fima Lifshitz da Universidade Federal da Bahia. Foi consultor e pesquisador da OMS – Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde)