Escrever sobre Araguatins, cidade encravada no extremo norte do Estado do Tocantins e porta de entrada da Amazônia Brasileira, e encontrar um fluxo surpreendente de leitores de diferentes cidades brasileiras está sendo gratificante para mim. Nessa cidade, pessoalmente, tive os melhores momentos de minha infância.
Aprendi a superar o medo, remando canoas em cachoeiras traiçoeiras ou em águas supostamente mansas do Araguaia ou do Tocantins. A nadar e atravessar águas de praias cobertas pelas correntezas. Vencer as arraias apenas arrastando os pés. Aprendi a montar em mulas e trotar em seu dorso. A andar de bicicleta. Enfim, comportamentos que ensinam a superar o medo. Com os meninos da época, com certeza, sucedeu o mesmo. Mas, delas, infelizmente, não tenho depoimentos.
Minha geração nasceu e cresceu em casas de portas e janelas abertas. Não havia perigo de gatuno nem de violência. As pessoas se sentavam nas calçadas às portas de suas residências. Bom dia, boa noite, eram palavras ouvidas com aconchego.
Constituíam reverências da boa educação, da cidadania e o respeito às pessoas. Período ainda se pedia bênção aos pais. Havia profundo respeito com a família, freqüentava-se as missas aos domingos, nas escolas os professores ensinavam e os alunos eram obedientes às emanações dos professores.
Os garotos de minha geração gostavam de caçar passarinhos, e a região preferida era às margens do igarapé. Arapucas eram feitas com esmero para pegar pombas. Dona Delta ou dona Raimunda, criada de casa, depois de retirar as penas com a ajuda de água fervente, as fritava na frigideira no fogão a lenha.
Periquitos a gente derrubava na baladeira ou estilingue. Havia colegas bons no estilingue. Era tiro e queda. Nem sempre eles morriam e eram amansados e criados. Coisa de minha geração. Hoje, jamais adotaria tal comportamento. Deixa os bichinhos em seu habitat, na natureza, onde realmente é o seu lugar.
Em bate-papo com o Cafu Frutuoso e o Jorjão Fernandes estávamos lembrando passagens interessantes em Araguatins. Dominga Doida, por exemplo, ganhou este apelido porque conversava mais do que o homem da cobra nas ruas por onde passava. As crianças tinham medo e se escondiam dessa mulher que, na realidade, não fazia mal nenhum a ninguém.
O Ubiratan era também um jovem que chamava atenção por seu jeito peculiar.
Biló, outra figura de nome meio esquisito. Sempre bem maquiada com seu batom vermelho, vestido estampado e a garrafa de cachaça Vale embaixo do braço.
A série continuará amanhã.
(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histadrut, em Tel Aviv, Israel. Autor do livro: O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)