“Eis onde estamos como planeta em 2018: depois de todas as guerras, revoluções e grandes encontros internacionais nos últimos 100 anos, vivemos em um mundo onde um punhado de indivíduos incrivelmente ricos exercem níveis desproporcionais de controle sobre a vida econômica e política da comunidade global”.
O autor da sentença acima, Senador Beenie Sanders, perdeu a indicação para Hilary Clinton, para ser o candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata nas últimas eleições presidenciais. Ou seja, não é um moleque, não é radical pequeno burguês irritadinho com a vida, não é enfim, um irresponsável. Mas sim um peso-pesado que se soma ao grito de pessoas que se preocupam com o futuro da humanidade, não só com seu umbigo.
A frase é o início de um contundente artigo que escreveu para ser comunicado às vésperas da reunião de Davos, na Suíça, onde o mundo vai ouvir o FMI dizer que a economia vai crescer a tantos por cento ao ano, que os pobres precisam ajustar suas contas etc. etc. Mas não vão discutir o câncer do mundo, a desigualdade social. Ainda nas palavras de Sanders: “Difícil de compreender, o fato é que as seis pessoas mais ricas da Terra agora possuem mais riqueza que a metade mais empobrecida da população mundial — 3,7 bilhões de pessoas. Além disso, o top 1% tem agora mais dinheiro do que os 99% de baixo. Enquanto os bilionários exibem sua opulência, quase uma em cada sete pessoas luta para sobreviver com menos de R$ 4,00 por dia e – horrivelmente – cerca de 29 mil crianças morrem diariamente de causas totalmente evitáveis, como diarreia, malária e pneumonia”.
Resultado perigosíssimo disso é que as pessoas estão perdendo a fé na democracia, acreditando cada vez mais no individualismo, pois se sentem usadas pelas elites econômicas e oligárquicas nas eleições, na manipulação dos preços etc. Esquerda ou direita deixa de fazer sentido para o povão, tudo “farinha do mesmo saco”, como comprova a falta de cuidado com a coisa pública cometida nos últimos governos brasileiros ditos progressistas. Buscarão caminhos muitas vezes imprevisíveis, como mostra a crescente onda fascista, inimaginável pouco tempo atrás no mundo e no Brasil.
Precisará o mundo de uma onda de violência para nivelar a desigualdade? A breve apresentação por Camila Mota - BBC Brasil, do livro de Walter Scheidel, professor da Universidade de Stanford, mostra ser a violência a grande niveladora das desigualdades ao longo da história: epidemias (como a Peste Negra, que dizimou 1/3 dos europeus, valorizando assim a mão de obra dos que sobraram), grandes guerras (como as duas guerras mundiais que ceifaram 60 milhões de pessoas), colapso de Estados (como a queda do Império Romano), as revoluções (como as comunistas, russa e chinesa). O nivelamento da desigualdade é normalmente por baixo, pois todo mundo fica mais pobre do que antes, mas como os ricos têm mais a perder, a distância entre os mais ricos e pobres diminui. Episódios como os acima citados são meras referências, pois fazem parte da história as tentativas da exploração do ser humano pelo ser humano, tendência só contida pelo processo civilizatório.
A escalada da desigualdade voltou a crescer nos anos 1980, após uma estabilidade de três décadas após a Segunda Guerra Mundial. Certamente o avanço tecnológico, com a criação de bilionários da noite para o dia (Microsoft, Apple, Google, Amazon...) e o jogo sujo do sistema financeiro especulando com bilhões de dólares diariamente, sem a correspondente produção de riquezas, certamente ajudaram a escalada da desigualdade. Mas é essa mesma tecnologia que poderá deter o avanço, permitindo as instituições democráticas e o povo em geral tomarem conhecimento do que se sonega, do que se rouba.
Nenhuma providência global está sendo tomada para estancar a escalada da diferença no século 21. Antes que argumentos defensores do modelo atual se apresentem, destacamos que é evidente que a qualidade de vida do povo de hoje é muito melhor do que há 100 anos. Victor Hugo, autor de os “Os Miseráveis” ficaria admirado de ver um operário francês ter seu fim de semana remunerado, férias, habitação de boa qualidade, geladeira, carro. Mas o mundo não é a França e a “eleição” de governantes insensíveis, como o comerciante Trump, são um perigo para a humanidade: se vender armas dá dinheiro, guerras devem ser promovidas; se o meio ambiente atrapalha os negócios, abandonar as convenções internacionais sobre o clima é a saída. Certamente não são essas as soluções para o planeta Terra, para a humanidade como um todo.
O papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’ (Louvado seja), faz um alerta sobre as condições humanas e ambientais do planeta Terra: nós humanos, somos parte da natureza. Não vivemos sem as plantas, o ar, a água, sem as bactérias que ajudam nossa digestão. Mas também não podemos aceitar que milhões de irmãos morram de fome todos os anos enquanto ricos se empanturram até a morte.
Será que os alertas não sensibilizarão os donos do poder, os que têm trilhões de dólares em paraísos fiscais, prontos para comprarem eleições, corações e mentes pelo mundo a fora? Poderiam, e deveriam, estudar história.
(Marco Antônio Sperb Leite, professor)