Desalentada com o clima de revolta e desesperança que nos aflige nos últimos tempos, fui reler antigos textos escritos há uma década. Nosso amado Brasil era então governado pelo autoproclamado maior estadista da história pátria – o mesmo senhor Luiz Inácio Lula da Silva, há meses condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sentença que é objeto de recurso a ser apreciado pela Corte competente, na próxima quarta feira.
Por oportuno, transcrevo a crônica intitulada “De vento em popa”, publicada no Diário da Manhã, em 4 de março de 2008:
“Apregoa-se que a economia brasileira vai de vento em
popa, o que significa, na poética linguagem náutica, que singra oceanos e mares com velas enfunadas, indiferente a vagalhões e tempestades. A bela metáfora remete a antigos tempos, quando nossos avós lusitanos alargavam as fronteiras do mundo, levando em frágeis embarcações a cruz de Cristo e a língua portuguesa. Como resquícios de contextos históricos ultrapassados, expressões idiomáticas e provérbios permanecem em uso, mesmo depois de ultrapassada a realidade que os inspirou. Não continuamos a dizer: “Quanto maior a nau, maior a tormenta?”
Mas estaremos nós, brasileiros, navegando realmente em mar de almirante? Seguimos sem incidentes a rota traçada, em busca do porto seguro do crescimento econômico sustentado? Sabemos aonde e como chegar ao destino desejado? Ou a aparente bonança não passa de ilusão, como em outros momentos do passado, quando desperdiçamos alegremente recursos naturais e oportunidades?
Senão vejamos: o nome Brasil remete ao primeiro dos tesouros com que nos brindou a natureza, o pau de tinta vermelha, cor de brasa – pau brasil – avidamente consumido na Europa e cobiçado por colonizadores e aventureiros. Abundante na Mata Atlântica, o que restou dele, depois de séculos de exploração predatória?
No momento seguinte, dando lugar às plantações de cana, foram ocupadas e exauridas as melhores terras e várzeas do nordeste ao sudeste do continente brasileiro. Raro e caro, o açúcar manteve-se altamente cotado nos mercados europeus, trazendo lucros exorbitantes e gerando fortunas, até que as ilhas do Caribe nos ultrapassaram em produção e tecnologia. Das velhas usinas, dos engenhos e bangüês ficaram-nos os troncos calcinados das árvores derrubadas para alimentá-los, além de uma retrógrada pseudoaristocracia que faz ainda mais pobres as regiões decadentes.
E o ciclo do ouro, em que nos beneficiou? Por caminhos transversos, enriqueceu a Inglaterra, contribuindo decisivamente para que se consolidassem e expandissem a Revolução Industrial e o capitalismo – enquanto, paradoxalmente, continuaram brasileiros e portugueses como primos pobres, dependentes e periféricos. E a borracha, cujo fastígio aconteceu ainda ontem? O Teatro Amazonas, com seus mármores, lustres de cristal, estofos adamascados, painéis e reposteiros é o espelho da incúria com que dilapidamos o “ouro branco”, que teve reduzido seu valor econômico pelas plantações pirateadas do sudeste asiático.
Haveria muito mais a dizer: a monocultura intensiva do café levando à superprodução e à “débâcle” de 1930; a exploração bisonha da cera de carnaúba que deixou mais indigente o Piauí; até os remanescentes fósseis do vasto mar que foi o interior do Brasil, foram vendidos e contrabandeados para fora do País.
Leio nos jornais que a Companhia Vale do Rio Doce teve, em 2007, o maior lucro de todos os tempos – e que está em primeiro lugar entre as maiores exportadoras brasileiras. Vem-me à lembrança uma cena que presenciei, há muitos anos, quando estive no Maranhão. Fora inaugurado o porto de Itaqui, em São Luís, ufanisticamente proclamado como sendo um dos mais modernos e maiores do planeta.
Foi quando presenciei a chegada de um comboio da Vale do Rio Doce, com literalmente centenas de vagões transportando minério de ferro, que era transferido para os porões de navios estrangeiros. No Japão, nos Estados Unidos e no Canadá, assim como nos países europeus, aquele minério seria trabalhado e transformado em produtos os mais diversos. Em parte, estes seriam importados pelo Brasil – e nós os compraríamos, pagando bom preço pelo trabalho que lhes agregou valor e propiciou emprego e renda a milhares, milhões de operários especializados e bem remunerados.
Tive vontade de chorar: eram pedaços do solo brasileiro, nossa terra, nosso chão que estavam sendo levados para fora, em pouco benefício resultando para nós, sobretudo para nossos irmãos trabalhadores. Qual seria o salário dos peões que extraíam o minério, no calor úmido e debilitante do sul do Pará? Sem educação formal e sem habilitação técnica, representam pouco mais do que extensões das pás e picaretas com que trabalham.
Perguntei a um dos dirigentes da Vale do Rio Doce, que elogiava o desempenho da companhia: “E quando o minério de ferro acabar?”. Ele me olhou com certo ar de piedade – por ser eu tão ignorante – e pacientemente explicou: “Carajás é a maior província mineral do mundo. São montanhas de minério. Não vai acabar nunca!”
O pau-brasil acabou; o açúcar deixou de ser um bom negócio; a borracha é residual na economia brasileira; até o nosso café perdeu importância e “status” para o produto colombiano! E – sinal dos tempos - o rei petróleo foi enfim reconhecido como recurso natural não renovável.
Se a economia vai de vento em popa graças, em parte, às jazidas fabulosas de minério de ferro que o Brasil possui, é hora de implantar siderúrgicas nas regiões produtoras, viabilizar seu desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida aos brasileiros que nelas residem, aos quais deverá ser oferecida a oportunidade de capacitar-se em cursos técnicos pertinentes.
É bom lembrar que não se pode prever quando os ventos favoráveis cederão vez à calmaria ou darão vez às procelas”.
(Lena Castello Branco – lenacaste[email protected])