Cansei desse papo de individualidade. Não no sentido semântico, etimológico. Mas ao significado deturpado que se dá a algumas palavras.
As pessoas em dias normais de trabalho, faculdade, escola, já ficam tanto tempo resolvendo suas questões quotidianas e não tem tempo (ou não querem ter tempo) para dar atenção aos seus familiares, namorado(a), às questões sociopolíticas do seu país e a tudo que envolve o coletivo.
Indo numa sessão com o psicólogo o paciente pode falar sobre como se sente sozinho, não tem amigos, o namorado vive ocupado, a família nem lhe dá atenção. Creio que deva acontecer muitas sessões assim, aliás ouso pensar que só existe este tipo de reclamação nos consultórios de psicólogos hoje em dia. Mas enfim.
Aí vem a solução do problema: “Você precisa fortalecer sua individualidade”. Que soa mais como: Você precisa ficar sozinho o máximo de tempo possível inventando coisas pra fazer, coisas que você deva gostar, se não gosta finge que está se divertindo, enquanto as pessoas que você gostaria da companhia estão ocupadíssimas com suas próprias vidas, alimentando seus respectivos hábitos egoístas.
Definitivamente, como sobreviver num mundo assim?
Tem gente que gosta de ficar sozinha. Lavar roupas, fazer faxina, dormir, ir para faculdade ou para o trabalho sem a família, claro. Descansar de um dia agitado. Fazer compras no supermercado. Essas coisinhas chatas do cotidiano podemos fazer sozinhos que é mais rápido e prontos estamos para o prazer de uma companhia agradável.
Mas esse argumento de que precisamos fortalecer nossa individualidade, ressalta ainda mais como as pessoas devem se comportar nessa sociedade fútil. Cada um no seu celular, no seu notebook, fazendo nada. Sim fazendo nada de interessante. Só preenchendo suas horas vazias e insignificantes.
Ninguém é obrigado a se relacionar com as pessoas em sua volta, se você não se identifica com eles então não há motivos para ficar reclamando que não são seus amigos. Se seus familiares só recebem este título por questões consanguíneas não há necessidade de sentir falta desses indivíduos.
Agora se você escolhe uma pessoa entre tantas outras para ser seu companheiro, por que você tem que fazer suas atividades sozinho? Por que você tem que mendigar atenção? Algo está errado não acha?
Estar dentro de um coletivo em nossa sociedade significa um jogo de interesses, só participamos de determinadas atividades como congregar numa igreja, se relacionar com as pessoas da faculdade e do trabalho e até do almoço em família no domingo por interesse e não por questões de amizade ou para atingir um senso comum de solidariedade e coletividade.
As pessoas precisariam reaprender o gosto das atividades em coletivo. E ir em contramão com o sistema capitalista que tenta fortalecer cada vez mais as relações individualistas e egoístas.
Pois o problema não está pontualmente em seu relacionamento com seus familiares, companheiros afetivos e etc. É sim um reflexo da nossa “modernidade líquida” como se refere Bauman ao analisar a sociedade atual. Uma sociedade baseada nas relações de interesses imediatistas e sem vínculos afetivos duradouros. Somos incentivados a isto o tempo todo: Fortaleça sua individualidade!
(Carina Tineu, Geologia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Federal de Goiás)