No último dia 31, completaram-se 80 anos que Getulio Vargas lançou a “Marcha para o Oeste”. Naquela época, população e produção brasileiras estavam concentradas numa estreita faixa do litoral. Em poucas décadas, o país mudou sua distribuição demográfica e econômica, construiu uma geografia mais equilibrada. Hoje, estamos precisando da “Marcha para o conhecimento”.
Em 1937, a construção do futuro vinha da ocupação de territórios inexplorados; agora virá da formação dos cérebros dos brasileiros. A “Marcha para o Oeste” buscava aproveitar os hectares de terra relegados no interior, a “Marcha para o conhecimento” exige aproveitar a inteligência, sem desperdiçar um único cérebro brasileiro, oferecendo educação de qualidade para todos eles.
Pode-se estimar que ao longo dos 80 anos da “Marcha para o Oeste”, pelo menos dezenas de milhões de brasileiros morreram sem educação de base, parte deles sem ter aprendido a ler nem mesmo a própria bandeira. Por isso, a “Marcha para o conhecimento” vai exigir uma revolução na educação do Brasil.
Independentemente das características da economia ao longo desses 130 anos de República, é possível imaginar as terríveis consequências do abandono do “território cerebral” de nossa população. A pobreza, a concentração de renda, o desperdício, a corrupção, o atraso e a violência teriam sido evitados se o Brasil tivesse feito uma “Marcha para o conhecimento” paralelamente com a “Marcha para o Oeste”.
Para ingressar no futuro, o Brasil precisa fazer sua “Marcha para o conhecimento”. No lugar de construir uma capital nova, abrir estradas, fazer hidrelétricas, dar subsídios e apoio técnico ao agronegócio, bastaria implantar um novo sistema educacional de base ao longo das próximas décadas.
Em menos anos dos que foram necessários para a “Marcha para o Oeste”, o Brasil entraria em um novo tempo de sua história: com produtividade, criatividade, inovação, menos desigualdade, menos corrupção, menos violência e mais participação política.
A “Marcha para o conhecimento” exige ainda uma refundação da universidade para que ela se torne uma das melhores do mundo. E seja “alavanca para o progresso” do país ao invés de “escada social” para os alunos. Isso exigirá forte compromisso com o mérito e ligação com a inovação do pensamento em todas as áreas.
A universidade refundada deverá ser uma usina de ciência, tecnologia e inovação, em ligação direta com as necessidades do setor produtivo e social. Não haverá “Marcha para o conhecimento” se o setor empresarial brasileiro não se envolver com vigor especialmente na criação de mercadorias inovadoras. Para isso, o setor de financiamento público deve priorizar empresas cujos produtos se situam no ramo de alta tecnologia.
Dos três milhões de brasileiros com 22 anos de idade, quando se comemoraram 80 anos da “Marcha para o Oeste”, não mais do que mil se tornarão cientistas internacionais. E desses, a metade será forçada a migrar. A terra improdutiva do Oeste pelo menos não morria nem migrava.
(Cristovam Buarque, senador pelo PPS-DF. Artigo publicado pelo jornal O Globo – 06/01/2018)