Quando se deve afastar do serviço regular um servidor público sob acusação? Apenas e necessariamente no período de apuração dos fatos, visando impedir tumulto ou constrangimento ao ambiente investigativo. Eu sempre determino isso, sem titubear diante de nenhum tipo de corporativismo e enfrentando, de peito aberto, todas as pressões que tenha que enfrentar.
Após essa etapa, contudo, com o envio à justiça, apenas ela poderá afastar. Não fora assim em processos que duram anos, por exemplo, o Poder Executivo estaria pré-julgando os denunciados, retirando-lhes direitos e lesando-os definitivamente, ao impedir a normalidade do curso profissional, incluídas aí as possibilidades de ascensão e valorização na carreira.
Tal conduta por parte do Estado seria, além de autoritária, ilegal e inconstitucional. No caso de absolvição, quem devolveria esses anos roubados e esses direitos subtraídos, causando danos irreparáveis? Isso é tão simplesmente evidente!
Ocorre que, em momentos emocionais ou eleitorais, explorados publicamente para vender notícias ou para se fazer política pequena, os ânimos se exaltam, o direito é relativizado e os demônios medievais de “caça às bruxas” se reincorporam com grande facilidade e agressiva desenvoltura.
Eu prefiro sempre a democracia e o direito do que o império dos juízos sumários e emocionais. Com isso, não estou defendendo ninguém. Apenas a soberania prudente da Constituição.
Um estado democrático de direito deve ser rigorosamente regido pela racionalidade da lei e não por emoções privadas (às vezes emoções desordenadas e contaminadas por ideologias várias), e por conceitos particulares do que seja moralidade (que tantas vezes se confunde, erroneamente, e se conspurca, danosamente, com histeria moralista e propensa a linchamentos morais).
A moralidade pública, em uma democracia, se consolida em torno da Constituição, que deve ser respeitada em qualquer hipótese e sem nenhuma exceção.
Acerca das polícias goianas, que destoam das acusações ora exemplificadas e julgadas prematuramente, vivemos um momento em que o estado se vê numa linha ascendente de eficiência, como comprovam os índices de ocorrências, cada dia mais em queda.
Goiás, há vários meses, vem derrubando todos os índicadores criminais. A pesquisa é aberta, transparente, permanentemente auditada, cotejável com as nacionais e engloba também os índices de notificação obrigatória.
Daí que a nossa segurança pública, estricto sensu, para os padrões brasileiros, não apenas não está em crise, mas evolui muito bem, obrigado. Mas “isso não é notícia para entrar em rede nacional”, “deve ser uma farsa”, “deve ser produto de subnotificação”, “deve ser só marketing”.
Apesar desses claros avanços na redução dos crimes, como em todo o Brasil, também temos os nossos problemas bem graves, o principal deles o sistema prisional (apenas lato sensu parte da segurança pública mas estricto sensu parte do sistema de justiça criminal).
Não está mais, por isso, na responsabilidade da nossa secretaria, mas ainda me sinto na obrigação solidária de dizer que o estado está lutando muito pelas mudanças necessárias (nova e progressista lei, elaborada em parceria com o Ministério Público e debatida passo a passo com o Tribunal de Justiça, novos prédios robustos em fase de entrega, nova chamada de 1.600 agentes temporários e brevemente novo concurso para substituição de todos por pessoal de carreira, etc. Tudo isso tramitando bem antes da rebelião).
Óbvio que tal gravidade complexa não se transforma do dia para a noite, com varinha de condão, mas vai se transformando na conquista e na luta.
Ainda sobre segurança pública em Goiás e sua espetacularização durante a visita a Goiânia, cumpre-nos ressaltar que a ministra Cármen Lúcia não veio para vistoriar presídio e foi aconselhada por um colega seu do TJ a não fazê-lo (pela óbvia razão de que o presídio havia saído recentemente de uma rebelião. Não seria, portanto, um conselho causador de tanto estranhamento, em nenhuma parte do Brasil ou do mundo...).
Apesar disso, as polícias especializadas estavam no presídio aguardando por algum eventual desejo-surpresa de visita, em ambiente de saturação técnica de controle e segurança. Ela preferiu não ir (aliás, nem falou nesse assunto) e pareceu bem satisfeita com os resultados iniciais da reunião estratégica.
Parte da mídia preferiu quase ignorar as proposituras práticas e ferramentais da reunião e se concentrou na tal ‘não visita’. Talvez isso fosse mais interessante para o nível em que parecem estimar os seus leitores e telespectadores. Em pouco tempo a Rede Globo já falava que a ministra não visitou o semiaberto porque havia explosivos e granadas no presídio que poderiam ser utilizados contra ela.
Rapidamente, tal colateralidade fantasiosa substituiu a seriedade e a proatividade de vários órgãos e poderes, se somando em busca de soluções. Viva a 'sociedade do espetáculo', da qual falava Guy Debord, no lugar dos fatos relevantes e das análises de conteúdo.
A rasteirice criticista substituindo a autonomia analítica e a profundidade crítica (essas, sim, missões democráticas, irrecusáveis, da mídia). Pena... Assim não se avança. No máximo se faz política sem conteúdo e se aplasta o povo de desesperança, de desinformação e de consequente passividade.
(Ricardo Brisolla Balestreri, professor e secretário de Segurança Pública de Goiás)