Agenor continuou perseguindo o poder, querendo ser prefeito de Mineiros, último cargo que faltava em sua ainda tímida biografia na história política do Estado, onde foi governo por nove meses, porém sem a legitimidade ungida pelo voto, que um dia, certamente, com ou sem ajuda da sorte, poderá obtê-la; enquanto o cobiçado e disputado cargo de prefeito pelo PMDB mineirense só foi conseguido a partir de 2012, após longo tempo briguento e de irritante espera, quando Neiba Maria Moraes Barcelos já findava seu segundo mandato de prefeita, começado na disputada e rixenta eleição de 2008, vencendo justamente Agenor Rezende, já mais articulado, por pequena margem de votos, colhidos, por certo, segundo minha percepção, dos segmentos sociais mais pobres, fieis admiradores e seguidores de Neiba. A apuração de votos nessa eleição causou muito sofrimento.
É preciso afirmar que Agenor foi e continua sendo uma pessoa privilegiada pela sorte em sua carreira política, como já demonstramos noutra página. Na eleição de 2012 não foi diferente. Teve a sorte, quem sabe o destino, de ter sido beneficiado em sua eleição justamente pelo segundo racha de um partido político na história de cidade, talvez cobiça ou urucubaca do próprio PMDB, passada ao sempre indeciso PSDB, aliados de aluguel e ao seu farto Diretório Político que, num momento desventurado de sua história, sem perceber o atroz imbróglio em que se metia, rejeitou a candidata natural do partido a prefeita, a vereadora Flávia Rezende Oliveira Vilela, que chegou a Secretária Municipal da Saúde, visivelmente querida e aceita pela população da cidade, com reiteradas pesquisas mostrando o seu inegável prestígio e a sua forte possibilidade de disputar e até ganhar a eleição. O inditoso racha, dentre outros incômodos, para não dizer perdas, até o presente causando efeitos ruins ao partido e ao município, nunca mais ganhando uma eleição, foi maquilado de legítimo numa esquisita convenção partidária, decerto cartas marcadas, dúbia, bastarda, onde a vitória de Juninho da Citro-5, candidato oficial do PSDB, contra Flávia Oliveira Vilela, transformada em dissidente, não passou de um astuto e maquiavélico ato formal, para não dizer, inequívoco prenúncio de uma derrota ali anunciada, fundada na forte divisão do partido, que efetivamente ocorreu, facilitando a eleição do sortudo Agenor Rezende, que ainda tinha a candidatura de Ivane Mendonça (PT), a beneficiá-lo e, se não bastasse, já havia se organizado e articulado melhor o seu grupo político, justificando boa vantagem e gestão, a ponto de alcançar vitória e ter sido reeleito prefeito na última eleição.
Reeleito contra a candidata Flávia Oliveira Vilela, vítima do racha do PSDB que, se não bastasse, trocara de partido, escolhendo o pequeno Solidariedade (SD), com alguns aderentes, como o Democratas, do qual obteve o candidato a vice-prefeito, empresário Sérgio Marchiò. Contra também o vereador e candidato a prefeito, Ernesto Vilela, outro imolado pelo racha do PMDB. Apesar do seu talento político e visível liderança, obtendo quase 12 mil votos, Flávia teve contra si um candidato bem articulado e muito forte, dotado de várias experiências. Se não bastasse, teve contra sua difícil candidatura, além das feridas, incuráveis, por vezes arrogantes e odiosas do mal-aventurado racha entre amigos, a candidatura fundada num partido novo, pouco conhecido, onde valeu mais o seu prestígio pessoal de postulante corajosa; as dificuldades de ser da oposição num momento em que a legislação eleitoral foi mais exigente, sobretudo contra os que se iniciavam; a inegável falta de recursos financeiros e ainda o fato conhecido de ser mulher, num país essencialmente machista, conforme demonstro num capítulo deste “A cidade na história”.
Alguns efeitos nocivos dos rachas partidários merecem registro, mostrando as suas sequelas, às vezes graves e profundas, como as soberbas e insolentes, inimigas fidagais da paz, do amor e da esperança. Às vezes, aparentemente superficiais, de todo modo, inoportunas. Primeiro do lado do PMDB. O que aconteceu? Dentre outras, difíceis de serem esquecidas, ainda repercutindo, considero a baixa dos vereadores Ernesto Rezende Vilela e José Sávio Costa, velhos filiados e tradicionais defensores do partido. Uma perda significativa. Não há vereadores mais combativos, sobretudo na pessoa de Ernesto Vilela, homem sem freio na língua, não manda recado, aparentemente agressivo, carrega a valentia dos Vilela, o estilo rude das fazendas e a cisma e desconfiança dos Carrijo de Rezende, de onde vem pela genealogia e os atavismos culturais. De todo modo, contudo, prestou um bom serviço à democracia de Mineiros nos seus vários mandatos de destemido e atrevido vereador. Assim também José Sávio, todavia de fala mansa, pausada, engenhosa, característica dos Costa Lima, onde Binômino, o “Meco”, é a referência. Como Ernesto, foi forçado a deixar o PMDB, disputado por vários senhores, como o do Estado, sem dar chances aos mais jovens. Assim, filiaram-se a outro partido, o pequeno Democrático Trabalhista – PDT, pelo qual Ernesto saiu candidato a prefeito nas últimas eleições, tendo como vice-prefeito, Aderaldo Cunha Barcelos, intransigente defensor da base do PSDB, também atopetado de alguns donos, sem chances aos mais moços. Ernesto não conseguiu sucesso, como se previa, obtendo votação inexpressiva de menos de três mil votos; enquanto José Sávio, candidato a vereador, alcançou expressiva vitória.
No lado do PSDB, além do racha continuar dividindo a cúpula e os eleitores do partido, grande parte de origem udenista, o fato considerado inoportuno e chufa, provocando deboche e outras imprecações da sabedoria popular, que não perdoam, foi o Aderaldo Barcelos, apoiado por Neiba e outras lideranças, ter se candidatado a vice-prefeito na chapa de Ernesto Vilela, seu antigo e mordaz adversário político, situação que o povo considera inaceitável. Em política, inimigo é inimigo. Quer dizer: norma cristã, ética ou moral, é bom que se diga, apodrecida e acobertada pela hipocrisia, não se aplica. Não há perdão. Assim, a sociedade passou a chamar o fato de fiasco, absurdo, aberração, piada e outras mesquinharias ou fracassos. Risos irônicos e debochados não faltaram. Certamente não entendeu que o direito de postular (iuris postulandum), sobretudo em política, de todo modo residência filosófica da democracia e da isonomia, não deve e não pode contaminar-se das nocivas e odiosas maldades humanas, domicílio podre da hipocrisia, das quais o povo continua refém ou presa fácil pelo que ouve em comícios, práxis política corrupta, seu nojento noticiário e outras “instâncias” ou diásporas da República, agora sim, das brunzundangas, descrita por Lima Barreto. Assim, creio que intrigas, rachas e outras iniquidades, não vedam o sagrado direito de alguém postular no ofício político. É possível, portanto, que a obstinação de Aderaldo, ousadia de Neiba, valentia de Ernesto e moderação de José Sávio, sejam luzes próprias, da performance de cada um.
A gente vê que o lado justo ou equânime da vida social, em qualquer âmbito e lugar, não vem sendo levado em conta, sobretudo nesse tempo sem rumo, estressado e inebriado da vida, onde, segundo o sociólogo Zigmunt Bauman, a modernidade “sólida” e pesada” já virou modernidade “líquida”, “leve”. Há um livro inteirinho chamado “Modernidade Líquida”. O amor virou pura liquidez, sobretudo em festa de carnaval. Até o medo está líquido! Como a “nação mineirense” vai se defender? Assim, como fica o lado satírico e debochado da história política, do mesmo modo que como a de âmbito social, assunto muito rico e amiudado por aqui? Como se defenderia? Teria desaparecido? Não acredito. É preciso verificá-lo com algum desprendimento, ouvindo o povo.
Notem que já aconteceu de tudo por aqui, de sino tocado por cachorro em porta de igreja à inauguração de capela por padre e prefeito, na Moita Redonda, sem a presença das imagens! Cachorro tocando sino de igreja! Prefeito conversar deitado com governador! Cobrança de missa de sétimo dia! Não são novidade. Alvará de construção de motel também não. Cidade saúde, sem ser, é o que mais se propaga! Nepotismo? Cada administrador, tem o seu, escancarado. Como pode? Assim, não preciso convocar os poderes do Céu e da Terra para saber que estas coisas, por sutis ou disfarçadas que estejam, terminam descobertas. Apoio-me somente na força mágica da boataria, solta nas ruas, mostrando que onde há fumaça, há fogo e que a sabedoria popular, já no dia seguinte, converte em luz ou clarão do ridículo, do deboche e da delação, nada ficando escondido e sem resposta.
Vejam um caso. Quando Jânio Quadros esteve em Mineiros, em 1960, por ser a cidade uma das mais udenistas do Brasil, postulando candidatura à presidência da República, trouxe sua mulher, dona Eloá, com a qual dormiu na bela residência do experiente e forte udenista José Feliciano de Moraes, onde contou com o abalizado apoio de Antônio Paniago, Raul Brandão de Castro, Joaquim Teodoro Martins, Dr. Zeca e outras lideranças do partido, ali ocorrendo um especial e magnífico almoço, arte e tempero dona Almery, auxílio técnico Helena Paniago e outras senhoras, udenistas, da mais fina-flor da sociedade local, não faltando nem o famoso tutu, muito apreciado por Jânio Quadros.
O povo estava atento, assistindo a dezenas de boatos, fofocas e outros maldizeres, ofendendo a vida alheia, num acontecimento político que, por certo, ajudava a construir a história política da cidade, através de animado fuxico, talvez sem perceber que os políticos da UDN, partido então muito forte em Mineiros, seriam os vilões dessa história caricata. Segundo as más línguas, tudo partia das forças economicamente mais fracas, para não dizer brandas, representadas pelos eleitores do velho PSD, que virou PMDB, matreiro inimigo. Foi demais! Realmente o deboche político não deixou por menos. No dia seguinte apareceu escrito nos muros:
“Feliciano e Paniago, não querem voto dos pobres...
A prova é que no banquete... só foram convidados os tubarões.”
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGG, mestre em História Social pela UFG, professor universitário – martinianojsilva@yahoo.com.br)