A pamonhada pode reunir a família toda em casa em janeiro e fevereiro com a quebra do milho, mas a produção de queijo é uma atividade mais solitária. Há motivos para isso. Enquanto preparar pamonhas permite que a distribuição de responsabilidades seja mais abrangente – crianças tendem a ajudar, por exemplo, a descascar as espigas –, a feitura do laticínio exige mãos mais experientes. Não é para qualquer um.
Um bom queijo de fazenda é iguaria elevada ao status de arte. Dificilmente se acerta a mão nas primeiras tentativas. Há um monte de detalhes que fazem a diferença e asseguram que o laticínio tenha vida longa, curando com qualidade e mantendo o paladar agradável. O cuidado com o asseio – já que é um produto consumido in natura – torna a atividade ainda mais delicada.
Vacas podem até não madrugar por vontade própria, mas o vaqueiro não tem muita opção. Na véspera, ele deve reunir as reses paridas com suas crias próximo ao curral para que facilite a jornada de extrair o leite nas primeiras horas da manhã. O sol ainda nem ameaça apontar e o sujeito já manuseia o úbere das vacas para extrair o leite. O problema é maior quando a chuva não cessa – as chances de contaminação e diluição do leite aumentam quando não se trabalha em local com a devida proteção.
Muitas fazendas utilizam do sistema de automático para extração de leite por meio de maquinário próprio. A produção em escala de leite demanda isso. Em pequenas propriedades, é oneroso adquirir equipamento de ordenha. O gado predominante em Goiás é o de corte. O leite de nelore e caracu tendem a ser mais adequados ao preparo tradicional de queijo do que o produzido por gado holandês.
Fala-se nos currais que o bom vaqueiro consegue extrair manualmente de vacas nelores e caracus o equivalente a três litros por dia. A técnica de ordenha é mais jeito do que força. A mão precisa simular os movimentos de sucção de um bezerro sem danificar o úbere. Caso a vaca perceba o movimento brusco, pode “esconder” o leite e prejudicar a coleta. O segredo é drenar a teta afunilando a mão com suaves movimentos descendentes, porém firmes. Embora pareça fácil, a técnica demora a ser aprendida.
O leite após a ordenha é adocicado e tem sabor intenso. Para se tornar queijo, é necessário mais que coalho e sal. O leite precisa ser aquecido, sem jamais ferver. Recomenda-se que a temperatura não ultrapasse a de uma febre intensa. Muito calor pode desnaturar proteínas necessárias à coagulação do leite e prejudicar a textura do queijo. Daí a preocupação com a higiene não ser mero detalhe.
Com o leite aquecido, mistura-se o coalho dissolvido em água limpa com sal. A mistura, preferencialmente em colher de pau, não deve ser vigorosa nem lerda demais. Vale a mesma regra para a produção de alguns tipos de doce e não se deve raspar o fundo do tacho. A massa – ainda muito líquida nessa fase – deve ficar uma meia hora em repouso e coberta por um pano branco limpo. Depois desse prazo, deve ser dividida em outras porções para que parte do soro escorra.
As porções serão depois inseridas em vasilhas próprias para a produção de queijo, que permite ao soro escorrer adequadamente. São aros de metal que permitem ao soro escorrer. O tradicional queijo fresco deve ter um bom equilíbrio entre textura e sabor, portanto não pode ser muito salgado. Mesmo porque, durante o processo de cura, o laticínio perde água por evaporação e tende a concentrar o sal.
Poucos prazeres da gastronomia de fazenda superaram o simples ato de beber um café passado no fogão a lenha e comer um queijo meia cura. Embora o curado seja muito bom para pamonha e pão de queijo, o meia cura bem feito possui uma casca natural consistente e seu interior tem textura semelhante ao requeijão. Também é excelente para ralar sobre massas, carnes ou deixar fatias grossas sobre o arroz enquanto a água termina de secar.
(Victor Hugo Lopes, jornalista)