A viagem de Rex Tillerson, secretário de estado norte-americano, à América do Sul, ocorrida na primeira semana de fevereiro, não deixa margem a qualquer tipo de interpretação. Os Estados Unidos, que muitos viam como um império decadente, decidiram se assenhorar novamente de seu “quintal”, numa nova ofensiva imperial. De um lado, Tillerson fez lobby junto aos países sul-americanos para que adotem medidas de cunho até militar contra a Venezuela. De outro, criticou a China e afirmou que a América do Sul não precisa lidar com “novas potências”. Ou seja: basta uma.
Tillerson evitou passar pelo Brasil por razões óbvias. Até para os Estados Unidos não convém sair na foto ao lado de Michel Temer, que foi colocado no poder por meio de um golpe jurídico-parlamentar apoiado pelo Departamento de Estado e que já governa atendendo mais a interesses norte-americanos do que propriamente nacionais. Basta citar a entrega do pré-sal a petroleiras como a Exxon e a decisão da Petrobras de pagar quase R$ 10 bilhões a investidores estadunidenses – o que, em breve, também poderá ser feito pela Eletrobras. Se o Brasil já tem um governo capacho dos Estados Unidos, Tillerson não precisa desgastar sua imagem nem a do país que representa ao lado de um governante rejeitado por mais de 90% da população.
Nesse giro pela América do Sul, o secretário de Estado sugeriu um embargo internacional à Venezuela, que aos olhos da Casa Branca não seria mais uma “democracia”, e pediu aos países sul-americanos que cogitem até ações militares contra uma nação vizinha. Como esse cenário é praticamente inviável, dada a tradição pacífica do subcontinente, o mais provável é a imposição de restrições ao petróleo venezuelano. No entanto, nesse contexto de recolonização da região, a novidade mais importante foi a reação da China, que classificou como “irresponsável” a atitude dos Estados Unidos e sinalizou que não irá recuar na construção de relações sólidas e duradouras com os países da região.
Torna-se evidente, portanto, que a América do Sul, uma das regiões mais ricas em recursos naturais do mundo, se tornou o palco de uma nova disputa entre grandes potências. E isso também explica a derrubada da presidente Dilma Rousseff e a natureza do ataque ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem a Lava Jato, peça essencial nesses dois golpes em sequência, a derrubada de Dilma em 2016 e a possível inabilitação de Lula em 2018, o cenário seria completamente diferente. Sob a liderança do Brasil, os países sul-americanos vinham construindo uma inserção autônoma e soberana no mundo, sempre no âmbito da Unasul. Agora, reconvertidos em colônias, o Brasil e seus vizinhos terão que buscar formas de se colocar entre os interesses de grandes potências. Eis aí mais um dos grandes retrocessos do golpe.
(Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247, além de colunista das revistas Istoé e Nordeste)