Recentemente, o Facebook mudou seu algoritmo de priorização de conteúdo no feed de notícias sob a alegação de tentar impedir a veiculação de notícias falsas, especialmente relacionadas à política.
Há mais de 10 anos à frente da área de inteligência e inovação da ClearSale, empresa líder em prevenção a fraudes no mundo, eu digo que há um risco grande de, nesta estratégia, não somente o Facebook não conseguir eliminar as notícias falsas, como também acabar por promovê-las. Este artigo detalha isso didaticamente.
A ideia por trás da despriorização da mídia seria a de que o conteúdo falso fosse igualmente enfraquecido, já que tanto as notícias verdadeiras quanto as falsas chegam pela mídia.
Entendendo o problema o ângulo da fraude, entretanto, podemos dizer que as notícias verdadeiras são como bons clientes. As empresas de mídia, diante da nova regra, irão obedecer aos critérios da rede social, promovendo suas páginas do Facebook por outros meios para obterem os “likes” necessários e manterem suas respectivas audiências.
Assim acontecerá com os usuários idôneos. Ao perceberem que o compartilhamento de suas opiniões atreladas às notícias verdadeiras não está sendo mais atraentes para seus amigos virtuais, acabarão deixando de promovê-las na rede, aos poucos.
Zuckerberg, entretanto, erra ao prensar que notícias falsas são notícias. Notícias falsas são fraudes. Na esfera política, que é a principal preocupação do Facebook, notícias falsas são criadas e promovidas por fraudadores com um objetivo claro de angariar capital político através de difamação e, consequentemente, conseguir votos.
Na ClearSale nós observamos um fenômeno similar ocorrendo com bons clientes e fraudadores em momentos sazonais no varejo online, por exemplo. Em épocas de alto volume de vendas, a grande maioria de bons clientes acaba diluindo o efeito dos fraudadores. De maneira análoga, em épocas de poucas vendas o índice de fraudes aumenta, pois os fraudadores sempre se mantêm, enquanto o número de bons clientes diminui.
O mesmo acontecerá no Facebook. Com a queda, ou quase eliminação das notícias verdadeiras, a proporção de notícias falsas ganhará uma relevância muito maior, aumentando sua “eficiência” e estimulando a sua veiculação.
O leitor deve estar se perguntando: como as notícias falsas serão veiculadas, dado que foram despriorizadas? Simples, fraudadores são fraudadores. Eles entenderão qual é o tipo de conteúdo falso que vai passar pelo filtro da rede social. Se não aceitarem links, não haverá link. Se tiver que ter fotos, haverá fotos. Se tiver que haver vídeo, vídeos serão criados, ou serão simplesmente textos inventados. Eles farão na forma que for necessária para serem priorizados pelo algoritmo.
A grande característica das notícias falsas é que não tem lastro na realidade. Os usuários que realmente acreditam nas notícias falsas são os que não checam as fontes e não se importam com as origens. Na falta da mídia originadora estas notícias, portanto, tendem a circularem muito mais livremente pelos feeds, fazendo o mesmo estrago que antes, ou mais.
Ao voltar a priorizar os posts pessoais, o Facebook volta a atuar em sua estratégia inicial. Hoje em dia, entretanto, este espaço já está muito ocupado pelo Instagram. As pessoas já estão acostumadas a discutir política no Facebook e, quando eleições se aproximarem, elas vão discutir. O que faltará na discussão é o conteúdo legitimo e confiável, ampliando a possibilidade de notícias falsas, difamação e talvez até a polarização.
Na minha visão, a estratégia mais adequada seria barrar as notícias falsas através de inteligência artificial. Se um humano consegue distinguir uma notícia verdadeira de uma falsa, por que a inteligência artificial não conseguiria? Ao desistir da briga direta com as notícias falsas e atuando contra a mídia, o resultado pode passar longe, e talvez seja exatamente o inverso, do desejado.
(Bernardo Lustosa, sócio e head de Estratégia e Inovação da ClearSale)