Existe uma fase da infância que a moda é ser do contra e negar todos os costumes possíveis, com a palavra mágica que arranha os ouvidos paternos: não, não e não! Vale cerrar parcialmente as pálpebras com as sobrancelhas pesadas, bater o pé no chão, realçar os beiços num bico estufado, gritar o mais estridente possível e até ficar de costas.
Isto faz parte do que o poeta inglês William Wordsworth disse sobre a infância: “maturidade singela, fonte inesgotável de sabedoria e encanto”. Se a birra serve de contrapeso à tão bela ingenuidade pueril, há que se ingerir uma dose cavalar de paciência, até mesmo para cumprir uma simples tarefa: tomar banho. Já pro chuveiro menino!
A etapa “Zé Sujeira, Cascão & sua turma” passa. Macuco, lama, cecê, chulé, rilheira e até bolor costumam ultrapassar os limites aceitáveis do asseado padrão moderno, da higiene civilizada ocidental, conforme preceitua a prática diária do encontro com o chuveiro (ligado, por favor). Não vale ficar no canto seco olhando o ralo sugar o aguaceiro e, depois disso, molhar o pente para disfarçar um penteado pós-banho socialmente correto.
O conceito da água, para esses rebeldes seres, transforma-se em substância inútil, insípida e perigosa quando proveniente do lúgubre reduto enclausurado chamado box do banheiro. Esse líquido terrorista desagradável não causa deslumbre nem com ornamentadas torneiras prateadas, lustrosos registros dourados, nem mesmo as propagandas com crianças cantando e brincando, enquanto a espuma cresce no cabelo e se espatifa no chão; piora se houver banheira de hidromassagem. Na mente dos pequenos revoltosos: o afogamento .
Vale adquirir conhecimentos para impressionar os adultos: o Rei Sol (Luís XIV) tomava banho uma vez ao ano, assim como os franceses antes de 1850. Por isso é que há bons perfumes lá. Acreditava-se que a água adentrava os poros e amolecia o corpo, causando doenças. O pai, se conhecedor e preparado para essa desconcertante conversa, diria: “Pasteur provou que o banho combatia doenças e os micróbios – responsáveis pela alta mortalidade – e, por tal sagrada prática do banho, a burguesia consagrou-se com a higiene, entre os elementos fundamentais da ordem e da moral. O banheiro é status, a limpeza garante o sucesso! Já pro banho e escove os dentes!” O menino, não menos capacitado, retruca na bucha: Paulo Leminski não escovava os dentes!
Para que a megaoperação não seja confundida por vizinhos afoitos, denunciantes dos maus-tratos, é bom lembrar que os meninos crescem e se transformam em limpos adultos. Vale mostrar que a moda é ser contra as contrariedades, porque a fase passa, nem que seja com ferro (no bom sentido) ou com castigos que engrossam o caldo (no malsentido mesmo).
(Leonardo Teixeira, escritor)