Em encontro domingueiro de família, em uma chácara nos arredores de Goiânia, conversei com o amigo Carlos Mena, um espanhol que passou a fazer parte da nossa família, ao se casar com minha sobrinha Carla Santos; seguia a prosa em torno do negativismo normótico em que se baseiam pensamento e comportamento vivencial da sociedade humana em nossos dias, em todos os países, principalmente nos considerados avançados e empossados das conquistas tecnológicas e científicas da civilização humana.
Concordamos em que a criatura humana, seja de que país for, é preenchida, é habitada e funciona com base nos sentimentos básicos do amor e do medo. Sendo o amor o sentimento ou a energia presente em toda a natureza, em todas as coisas, seres, entes e animais, irracionais ou racionais; energia expansiva e agregadora por natureza, que unifica, protege, solidariza-se com todo ser ou criatura que sofre, e trabalha para a harmonia e a felicidade de todo ente ou criatura com que convive.
É o sentimento que leva animais, ferozes ou não, a cuidar de suas crias, protegê-las de ataques e encaminhá-las para a autonomia de uma existência própria, em bases seguras. É a energia cósmica, herdada quando se nasce, que leva uma vaca a alimentar seu bezerro, uma mãe ou um pai a defender, amparar e proteger os seus filhos, e move os enamorados ao encontro e ao relacionamento que irão levar ao casamento e à formação de uma família.
Se o amor é a energia divina, expansiva e harmonizadora e criativa, o medo é o seu oposto: funciona de modo a reter, acumular, ter inveja ou despeito do sucesso ou da riqueza dos outros, e tudo fazer para que eles percam, em nosso proveito, a felicidade, o bem-estar e as realizações que conquistaram.
É o medo, a inveja e a maldade o motor principal da ferocidade dos grupos em disputa, nos estádios de futebol, não só nas hordas de bárbaros e fanáticos, apelidadas de torcidas organizadas, mas também na política, palco de disputas onde a mentira e o cinismo são armadas obrigatórias, sem as quais o animal político de Aristóteles está a pé, na chapada, sem condições mínimas de sobreviver ou de vencer.
A ética, a lealdade e a verdade são sentimentos ou princípios morais que vêm em desfavor de quem as possui e cultiva. É o medo que leva as pessoas e grupos humanos a buscarem riqueza fácil e instantânea, a querer acumular coisas, bens de que não precisam, e fortunas que aumentam seu medo e sua ganância, assegurando pretensa “qualidade de vida”, traduzida em ostentação vaidosa e exibições de estupidez e arrogância.
Também as ilusões de se ter o corpo perfeito, a performance atlética, o rosto sem ruga que denuncie a passagem dos janeiros, fazem parte deste sentimento de medo, que leva à negação da realidade da vida, segundo a qual toda criatura nasce, envelhece e morre, levando em seu corpo e mente os sinais, as perdas e danos resultantes do envelhecimento.
É esta busca da forma perfeita que leva tantas criaturas, mulheres principalmente, e até mesmo jovens, a serem pacientes cotidianas de cirurgias plásticas, das quais não precisam para existir ou conviver.Sendo que não poucas vezes esta obsessão pela forma perfeita encaminha-se para resultados trágicos.
Concordamos, o amigo Carlos, que vai dando um jeito de entender o jeito brasileiro de funcionar, que só o sentimento do amor pode acabar com o medo, que é o seu oposto.Só o impulso amoroso que nos leva a querer o bem de todos os que encontrarmos em nossa caminhada existencial, pode produzir a transformação interior (metanóia) pela qual ultrapassamos todos os desastres e danos produzidos pelo sentimento do medo, causa de todas as guerras e todas as inúmeras formas de sofrimento humano.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista.Ocupa a cadeira 25 da Academia Goiana de Letras)