No Canadá, dois estudantes, Kevin Arriola e Alexandra Godlewski, propuseram ação judicial contra uma agremiação de estudantes universitários (Ryerson Students’ Union). O motivo: a agremiação recusara-se a aceitar, como clube do campus, o Men’s Issues Awareness Society (MIAS), uma associação destinada à conscientização acerca de problemas que afetam de modo mais intenso o gênero masculino, como taxas mais altas de suicídio, de sujeição à situação de desabrigo, de acidentes de trabalho e de baixo desempenho escolar. Interessante fato é que a maior parte dos integrantes do MIAS é composta por mulheres, sendo, inclusive, presidido por uma delas.
Financiada por taxas obrigatórias, a aludida agremiação repassa valores superiores a 180.000 dólares/ano para os clubes do campus, e somente aqueles devidamente reconhecidos têm acesso a tais valores. Além do financiamento, esse reconhecimento é também fundamental em termos de publicidade e organização de palestras e debates.
A agremiação de estudantes reconhece mais de oitenta clubes, muitas vezes com pontos de vista diametralmente opostos, como os “Estudantes para a Justiça da Palestina” e os “Estudantes que Apoiam Israel”, o que merece ser louvado. Contudo, um clube de estudantes focado em questões relativas aos homens parece ter esbarrado no índex do feminismo politicamente correto. A mesma má sorte enfrentada por um clube pró-vida ou contra o aborto, proibido em 2013. Ou seja, a divergência de pontos de vista é tolerada somente até certo ponto.
As justificativas para o não reconhecimento revelam-se as mais estapafúrdias possíveis, dentre as quais, pasmem, o fato de que a mera existência de um clube voltado à discussão de problemas enfrentados mais frequentemente por homens “molestaria” e traria “insegurança” às mulheres. Afinal, a agremiação de estudantes reconhece o “sistemático privilégio que os homens possuem”.
Quando meros tópicos de discussão como altas taxas de suicídio entre homens é visto como algo potencialmente perigoso para as mulheres, isso é sinal de que algo vai muito mal nos corações e mentes de homens e mulheres. Todavia, noções as mais absurdas advindas daquilo que se convencionou chamar de “politicamente correto” são cada vez mais aceitas, no Brasil e no exterior, como perfeitamente “normais”. Exemplos não faltam, como a criação de “safe spaces” em ambientes universitários, nos quais estudantes estariam “a salvo de” ou poderiam “se recuperar de” manifestações que reputassem “politicamente incorretas” ou “ofensivas”. Desnecessário frisar o potencial de infantilização de indivíduos adultos, o iminente risco à liberdade de expressão e o empobrecimento geral do debate acadêmico.
Num curto espaço de tempo, fatos que seriam considerados ridículos ou sem sentido passaram a ser ordinariamente aceitos, ao menos em certos círculos. E isto está longe de poder ser considerado uma “natural” evolução de usos e costumes. Torna-se então razoável indagar até que ponto o “politicamente correto” é um processo histórico natural ou mais um caso de histeria política coletiva, algo prenhe de exemplos desabonadores no passado.
Os estudantes canadenses parecem não querer “pagar para ver”. Decidiram lutar pela sua liberdade já. Para eles, a intervenção judicial é a única saída para se oporem à coerção ideológica imprimida por aqueles que impõem suas próprias visões de mundo como as únicas socialmente aceitáveis. Para Arriola, a demanda judicial significa uma inesperada reação ao contexto atual em que querem “calar as vozes masculinas e os assuntos atinentes aos homens e aos meninos”.
(Antonio Sepulveda professor e doutorando em Direito/UERJ) e Roberto Kayat (Advogado da União, professor e mestre em Direito/UFRJ) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ)