Como as coisas andam difíceis para o ex-presidente Lula nas suas aventuras nos meandros do Judiciário, decidiu contratar, a peso de ouro (dizem que por 50 milhões), o ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, de notório trânsito nas altas cortes brasilienses. Não bastasse sua indiscutível capacidade jurídica, seu prestígio ultrapassa todos os grandes advogados que por lá militam, a ponto de conseguir alterar as fechadas agendas de ministros para encaixar uma audiência por ele solicitada.
Militando no STF entre 1989 e 2007, Sepúlveda Pertence ajudou a construir a súmula 691, que veda a concessão de “habeas corpus” cuja liminar já tenha sido negada anteriormente por outro tribunal superior. E foi baseado naquela súmula 691, já consolidada e aplicada sem restrições há muitos anos, que o ministro Edson Fachin negou a liminar pedida para evitar o encarceramento de Lula, já condenado em segunda instância pelo TRF-4, no caso do tríplex do Guarujá.
Fachin não vislumbrou o constrangimento ilegal alegado no processo de Lula, encaminhando o pedido para o plenário do Supremo, que dará a palavra final.
A citada Súmula 691 traz o seguinte enunciado: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em ´habeas corpus´ requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
Em 2001, no “habeas corpus” nº 80.550-7, de São Paulo, impetrado por Alexandre Bastos, Pertence, relator do caso, negou a ordem àquele réu, que havia sido condenado por crime sexual, em acórdão publicado em 3 de abril de 2001. A sentença da instância de piso fora confirmada pelo TJ-SP, que autorizou a expedição da ordem de prisão. O condenado protocolou ”habeas corpus” no STJ. Ali, ex-ministro Gilson Dipp indeferira um pedido de liminar, e Alexandre recorreu, então, ao Supremo, tendo o processo aterrissado na mesa de Pertence, que, numa primeira análise, deferiu o pedido de liminar, mas, ao submeter o caso à apreciação da Primeira Turma do Supremo, que ele integrava na época, Pertence reconheceu que havia cometido um erro.
Em agosto de 2005, o então ministro e ex-presidente do STF Cezar Peluso propôs ao plenário do Supremo o cancelamento da súmula 691. Fez isso no âmbito de um caso em que o publicitário Roberto Luiz Justus, acusado de crime tributário, tentava obter um “habeas corpus” para trancar o processo. Por maioria de votos, os ministros aprovaram a manutenção dos termos da súmula. Ficaram vencidos apenas o relator Peluso e o ministro Marco Aurélio Mello.
No caso de Lula, ao negar a liminar pedida pela defesa, o ministro do STJ Humberto Martins anotou em seu despacho que a sentença do TRF-4 já havia deixado claro que o condenado petista não seria imediatamente preso, posto que era necessário julgarem-se os embargos declaratórios, não se observa aquilo que Pertence, ainda com a toga sobre os ombro chamava de “coação real à liberdade.”
O novo Sepúlveda Pertence, agora advogado, escorou sua argumentação numa hipotética pressa do TRF-4, sediado em Porto Alegre, afirmando que: “É possível [o STF dar liminar antes de um julgamento final no STJ]. Foi negada a liminar [no STJ]. E a liminar, no caso, é importantíssima a rapidez dela, dada a velocidade porto-alegrense da Justiça. […] Nós fizemos um apelo, dada a velocidade do tribunal de Porto Alegre. Está aberto o prazo para os embargos de declaração, e consequentemente, próximo à queda da suspensão da ordem de prisão”.
Não se entende como se pode rebelar-se contra a celeridade da Justiça, quando todo mundo busca exatamente isto.
Fachin foi rápido no gatilho,.mas contrariou a defesa de Lula em dois pontos: indeferiu o pedido de liminar, em respeito à súmula que Pertence decidiu ignorar, apesar de tê-la aplicado há 17 anos e, também, absteve-se de submeter sua decisão à Segunda Turma da Suprema Corte, como queria Pertence, e fez isso porque sabe que está em minoria naquela Turma. Preferiu lançar a batata quente diretamente sobre o plenário do Supremo integrado por 11 ministros
Deve-se torcer para que Sepúlveda Pertence seja escalado para fazer a defesa oral das pretensões de Lula no plenário do Supremo. Será divertido observar o contorcionismo retórico que o ex-ministro terá de exibir para se contrapor aos termos de uma súmula que ele próprio aprovou e que defendeu com tanta tenacidade.
Em situações assim, é estreita, muito estreita, estreitíssima a fronteira que separa uma argumentação razoável de uma desmoralização incontornável aos termos de uma súmula que ele próprio ajudou a construir e que sempre a defendeu com tanta garra.
Vamos aguardar o que o Supremo vai decidir, pois por enquanto não está pautado o processo, ainda mais que já existe entendimento naquela Corte de que a confirmação em segunda instância permite a execução da pena.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas - Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])