A lista com a qual toda doença pode ser identificada em qualquer lugar do planeta é a CID 10 - Classificação Internacional de Doenças, de 1989, com atualizações periódicas. As doenças têm caráter sigiloso. Seguindo o Juramento de Hipócrates, o pai da Medicina, é vedada ao médico qualquer revelação. Este segredo faz parte da tradição profissional, assim, a privacidade é um direito constitucional e a relação de confiança entre o médico e o paciente é uma cláusula pétrea.
A Vigilância Sanitária proíbe que a secretária receba exames, que os escaneie, que tenha acesso aos prontuários dos clientes e que entregue remédios. Ainda que muitas pessoas comecem a sanar suas dúvidas com essa auxiliar via telefone, e boa parte comente livremente sobre seus males na sala de espera, nada deverá ser questionado, exceto quando for percebido equívoco de especialidade, assim mesmo, de forma reservada.
Ouvir, fazer perguntas, examinar, investigar, dar diagnósticos, propor tratamentos, tratar e acompanhar são atribuições do médico, que deverá guardar tudo aquilo que lhe for revelado, como num confessionário. Nada poderá ser comentado extramuros. Mesmo as doenças simples podem ser ameaçadoras, daí a necessidade de explicações claras. Hoje, a maioria das pessoas se interessa por conhecer seu mal, assim, o tempo dos diagnósticos secretos passou. Ter a informação faz a pessoa colaborar e se tornar mais aderente ao tratamento. O Google é o sabe-tudo, porém, é um péssimo conselheiro, porque dá ênfase aos casos mais graves – figura de livro – e não acalma ninguém. Apavora.
De acordo com o Código de Ética Médica, em sites, blogs e entrevistas o médico não deverá citar coisa alguma sobre seus pacientes, para que não sejam identificados. Poderá falar de alguém hipotético, ficcional, para ilustrar, mas nada capaz de direcionar para uma pessoa. Os “personagens” de matérias jornalísticas sobre saúde precisam concordar em dar seu depoimento, o que é louvável para ajudar outras pessoas, mas o médico não poderá aparecer, nem dar seu contato.
A maioria da empresas exige que o funcionário apresente, em caso de ausência, um atestado falando, se for o caso, de que esteve em consulta médica, e este deve constar a CID. Poucas não fazem essa exigência. Isso contraria as normas vigentes, criando um impasse entre a necessidade do empregador e as determinações do CRM – Conselho Regional de Medicina - que faz a proibição. Nesse caso, é preciso que o paciente deixe expresso e assinado, no mesmo documento, que permite que sua CID seja publicada. A solicitação da empresa fere a lei, sendo uma violação dos direitos de alguém que está frágil, e não tem como evitar uma confissão, que poderá prejudicá-lo.
Que interesse pode haver nessa insistência? A pessoa esteve fora, trouxe o atestado - nem vou falar de atestados falsos, pois há gente mau-caráter em todos os segmentos - já não é suficiente? Doenças crônicas, mesmo bem conduzidas, poderão levar à discriminação por ignorância e preconceito. Muitos podem não se importar de revelar ao assistente administrativo da empresa os seus males, tem até quem se vanglorie das doenças que tem, porém não deveria divulgar, pois isso poderá lhe ser desfavorável.
Alguns sistemas não registram o atestado, a menos que tenha a CID. Lá tem uma janela para este fim, e diz no documento que é de preenchimento obrigatório. O que fazer? Que as empresas mudem seus sistemas e sigam a lei, pois, uma mera gripe, doença sabidamente contagiosa, mesmo estando visível pela coriza, a pessoa gripada diz estar com “rinite alérgica”, que não pega. Imagine um diagnóstico comprometedor? O lado fraco sempre perde.
(Mara Narciso, médica e jornalista)