Nesta semana vivemos um dos momentos mais importantes do calendário litúrgico-religioso, principalmente para o judaísmo e para o cristianismo. Os judeus comemoram, na Páscoa, a fuga do povo de Israel da escravidão no Egito. Após 210 anos de escravidão, a Bíblia revela que Deus revelou a Moisés que era sua intenção libertar o povo do Egito e levá-lo para habitar a terra de Israel, ou seja, a terra prometida.
A festa de Pessah, assim chamada pelos judeus, é a passagem de uma situação de escravidão para a liberdade. Já para o cristianismo a Páscoa é sinônimo da passagem de Cristo da morte para a vida. A ressurreição do Cristo aponta, segundo o cristianismo, para uma nova vida.
Seja no judaísmo, seja no cristianismo, a Páscoa se reveste de simbolismos marcantes: passagem da escravidão para a liberdade; da morte para a vida; das trevas para a luz.
A par de saudar a todos neste momento de esperança, permito-me usar esses simbolismos para fazer referência à sociedade em que vivemos.
Morte, escravidão, trevas são palavras que podem assinalar a situação de camadas consideráveis da população brasileira que vivem em estado de pobreza. A má distribuição de renda e a falta de acesso à educação são os dois indicativos maiores dessa situação.
O Brasil, a par dos avanços que têm ocorrido nas últimas décadas, tem apresentado, ainda, uma grande desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza.
A desigualdade social impõe ao país o desafio de enfrentar uma herança de injustiça social, que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania.
A angústia da pobreza é evidenciada nos momentos de mendicância que ainda presenciamos pelas ruas de nossas cidades; aparece, também, na formação de favelas e invasões, onde podem ser vistas cenas cortantes de crianças desnutridas; aparece na ausência de trabalho e na ausência do que fazer para sanar a fome.
Esse é um estado de penúria que acomete grandes contingentes populacionais que, socialmente, se encaixam, simbolicamente, nas palavras que levantamos nos primeiros parágrafos deste texto: escravidão, trevas e morte.
Não podemos deixar de lembrar que, recentemente, o Brasil passou por um período de euforia na melhoria de vida de sua população.
Esse período foi descrito com precisão acadêmica pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, ao lançar, em março de 2012, o livro “A Nova Classe Média: o Lado Brilhante da Base da Pirâmide”. Neri reuniu, organizou e condensou os estudos do Centro de Políticas Sociais sobre a emergência da classe média popular no Brasil.
Descreveu os fortes momentos de ascensão social, desde o boom de consumo do plano Cruzado, passando pelo Plano Real e a fase a partir do ano de 2004.
Neri afirma que a melhora do Plano Cruzado, de triste memória, foi fugaz. Já o Plano Real proporcionou um salto permanente, com a proporção dos brasileiros na classe C, ou classe média, passando de 32% para 37,5%.
Em 2012, a classe C representava 55% da população. E Neri previa que em 2014 ela chegasse a 60%. De fato, esse contingente passou de 62,7 milhões de pessoas em 2005, para 103 milhões em 2012.
Aí veio a crise, como antecipara o sociólogo Rudá Ricci, que apontava a necessidade de uma reforma tributária consequente para que aquele quadro continuasse. De repente, fomos surpreendidos com manchetes como “Crise econômica pode voltar a colocar o Brasil no mapa da fome”.
Se entre 2004 e 2016 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza, em 2016 entre 2,5 milhões e 3,6 milhões de pessoas voltaram a viver abaixo do limiar de pobreza.
Após o início da crise econômica, 8,6 milhões de brasileiros passaram a viver com menos de ¼ do salário mínimo por mês. A população com renda de até ½ salário mínimo chegou a 36,6 milhões de pessoas.
Em dezembro de 2017, a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava que 12,1% da população do país vivia na miséria. O número de jovens que não estudam nem trabalham, a chamada geração “nem nem”, chegou a 25,8% em 2016. O desemprego, sabemos todos nós, atingiu níveis altíssimos.
Sintetizando o quadro que vivemos, o excluído social é um escravo da miséria, não por culpa dele, mas por uma contingência social; vive nas trevas do analfabetismo, que o impede de enxergar qualquer perspectiva de melhora de vida, além de portar uma verdadeira invisibilidade no contexto social que o cerca.
Que o espírito de esperança pascoal nos impulsione, cada um na sua área de responsabilidade, a pensarmos um Brasil pleno de cidadania para todos os seus filhos.
(Lúcia Vânia é Senadora (PSB), Presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)