A lógica cíclica do capital avisa aos leigos que sempre haverá um grupo dominante, uma sociedade dividida em classes, um valor de troca a sobrepor o valor de uso, o trabalho e seu produto taxados tão somente como mercadorias. Somos uma “sociedade das mercadorias”, dentre elas, os trabalhadores - artigos de compra e venda – eu, você e o coletivo subordinado aos detentores dos meios de produção. Estes, mais do que suprir as necessidades humanas, buscam o acúmulo da riqueza socialmente produzida ao explorar, espremer, macerar e expropriar a força de trabalho, além de forjar a competição doentia por meio da noção do mérito da ordem e progresso, do controle social.
Ao caracterizar objeto de segregação a meritocracia conta com posições hierárquicas condicionadas, aos que na estrada da emancipação “fizeram por merecer”. Há quem defenda, usando como exemplo os “pontos fora da curva”, que são simplesmente exceções a regra. Mas a questão escora na tese de que se existe meritocracia a sociedade deixa de ser desigual. Sabe-se que o esforço individual sem a equidade de direitos inutiliza qualquer ação, frente à vantagem desproporcional que algumas classes têm em relação a outras. Como afirmou o Ministro Marco Aurélio (STF) sobre a constitucionalidade do sistema de cotas raciais nas universidades públicas, no julgamento da APDF 186 em 25 de Abril de 2012 “a meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma velada de aristocracia”.
Segundo Ricardo Antunes (2012) o pensamento marxiano traz o trabalho como o ponto de partida do processo de humanização do ser social. Porém a ação que deveria dignificar o homem, proporcionar realização e interação com o mundo exterior, torna no único meio de suprir as necessidades mais básicas - por muitas das vezes desumanas. Essa mazela, detonada na proposta de dominação burguesa, azeda o trabalho tornado “estranhado” ao indivíduo. Quanto mais o trabalhador produz, menos tem por ser uma mercadoria, a produzir a mercadoria – trabalho – e produzir mercadoria. Através dessa expressão socioeconômica a precarização do trabalho é revelada. Responsável ainda pela transformação de algo que rouba a vida e produz a “alienação da existência”, cada vez se corre mais, se respira menos, o que amplia o que Marx conceitua enquanto Exército Industrial de Reserva - segunda metade do século XIX.
O homem moderno vai-se tornando trabalhador “ocupado” - inserido entre os empregados e os desempregados - que possuem um trabalho informal, sem registro, menores salários, condições indignas. Também para além dessa condição de reeficação social, aquilo que o conceito que Jóse Luis Nun define, ao final da década de 1960, a “Massa Marginal”, ou trabalhadores os quais, em estado de miséria absoluta (inclusive da razão), não possuem lugar nos meios de ocupação profissional, incapazes de alguma fagulha de inserção, muito menos reinserção. Como afirma Marx, em O Capital: “para a acumulação da riqueza é necessário que se tenha uma população trabalhadora em excesso, é isso que subsidia a existência da produção capitalista” (cap. XXXIII).
Ao final da discussão e de dias tornados eternos - pelo viés de gestão capitalista neoliberal - o conceito de mérito não é nada mais que outra ferramenta de “manobra das massas”. O que suscitando o darwinismo social, quando e onde o grande suprime o menor, o mais forte supera ao mais fraco, o precarizado produz enquanto a elite usufrui do táxi ou do caviar que “eu nunca nem vi, nem comi, mas ouço falar”.
(Débora Evelyn Dias, graduanda em Serviço Social/FacUnicamps - Unidade Goiânia, militante estudantil)