No Brasil, a produção de ciência é realizada quase na sua totalidade no âmbito das universidades e, portanto, o conhecimento gerado por essas instituições é de fundamental importância para o avanço econômico e científico do país. Entretanto, poucos sabem o quanto as pesquisas são essenciais para o desenvolvimento de um país, quando interagem logicamente com o poder público, o setor produtivo e a sociedade como um todo.
A Universidade Federal de Goiás (UFG-GO) realizará em Goiânia, na próxima segunda-feira (2/4), às 14h30min., a defesa pública da pesquisa realizada pela filósofa Elizabeth de Lima Venâncio, para obtenção do título de mestre em comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Na pesquisa que será defendida, foram analisados qualitativamente dois mil, seiscentos e quarenta e nove (2.649) comentários de internautas acerca da prática social da intolerância religiosa, momento em que as interações dialógicas virtuais se revelaram significativas; anunciando sentidos distantes do lado racional e objetivo, mas muito próximos dos afetos, sentimentos e emoções.
Foi possível estudar os processos de interações humanas através dos rastros deixados na Internet. Bem como, verificar se estas interações foram constantemente revisitadas e alimentadas; o que permitiu a pesquisadora desvelar as trocas simbólicas que reverberaram no tempo do ciberespaço.
Assim, foi observada a existência de variações emocionais gradativas nas interações dialógicas que produziram sentidos na relação que se criou entre as pessoas comunicantes, em outras palavras, nos dados apareceram à utilização frequente de expressões de linguagem que denotaram: raiva, ódio, medo, angústia, humor, violência, sarcasmo, ironia, repulsa etc., em uma transição valorativa de significações.
A filosofia, a psicologia e a biologia já se debruçaram sobre os estudos dos afetos. O chileno Humberto Maturana, afirmou que ao falarmos de emoções conotamos disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na verdade, conforme ele, todos sabemos isso na prática da vida cotidiana, mas o negamos porque insistimos que o que define nossas condutas como humanas é elas serem racionais. Também, ao mesmo tempo todos nós sabemos que, quando estamos sob determinada emoção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer; e, que aceitamos como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra emoção. Em outras palavras, biologicamente as emoções são disposições corporais que determinam ou especificam domínios de ações, e que as relações humanas acontecem sempre a partir de uma base emocional que define o âmbito da convivência.
Por séculos as emoções foram consideradas como algo maldito por diversos filósofos, como Platão, Santo Agostinho, Descartes, Kant etc., que defendiam a ideia de que elas deveriam ser eliminadas, extirpadas ou expulsas para os porões sombrios da sociedade.
Entretanto, as emoções não são algo que obscurece o entendimento, não são restrições da razão: as emoções são dinâmicas corporais que especificam os domínios de ação em que nos movemos. Uma mudança emocional implica uma mudança de domínio de ação. Nada nos ocorre, nada fazemos que não esteja definido como uma ação de um certo tipo por uma emoção que a torna possível.
Neste estudo também foi investigado o aspecto da cidadania, notou-se em evidencia no diálogo virtual a solicitação de respeito pelo diferente. Os usuários de internet queixaram-se de que sua religião não foi tratada com respeito. A queixa assumiu uma dimensão ética ligada à responsabilidade de existir em sociedade e conseguir promover práticas de cidadania assentadas no respeito ao outro, como outro, ou seja, o diferente.
A convivência com aquele que é diferente aparece como condição sine qua non para a vida em sociedade, pois convivemos em uma sociedade cuja característica é a diversidade e sendo assim, não agradam algumas emoções e predisposições naturais humanas para a segregação, tais predisposições devem ser repensadas no âmbito da comunicação para promover e melhorar a coexistência cidadã.
Apesar de resistir, o ser humano é fadado à alteridade, à diversidade, à diferença. Desse modo, o problema não seria a diferença. Mas, como se lida com as diferenças, afinal, elas precisam ser dialogadas, para que não produzam violência. Neste estudo foi observada a utilização de expressões de comparação e julgamentos moralizantes, que subentendem uma natureza errada ou maligna nas pessoas que não agem em consonância com os valores de quem fala, chegando ao ponto de demonstrações de negação da cidadania.
Nos dados, também foram identificados discursos distantes da linha de conflito, agressividade, exclusão e violência; momento em que houve nos usuários de internet a percepção de que os seres humanos são diferentes, mas iguais; de um lado temos a diversidade, as diferenças, tudo ao mesmo tempo; e, de outro, amostras de que estas diferenças são contingentes, não necessárias; são transitórias, não permanentes; são frutos do meio, não da natureza; são adquiridas, não inatas.
Então, devemos nos voltar para os estudos das emoções. Ao fazer isto, verificaremos que elas são socialmente modificadas; a repulsa, o sarcasmo, a raiva, a violência verbal são engendradas e modificadas socialmente. Em outras palavras, as emoções são construídas na significação das interações e se tornam reais para a sociedade a partir de uma construção arbitrária. Aqui, quando se fala em construção arbitrária significa o arbítrio daquele que age, ou seja, no movimento, no impulso, não na reflexão.
(Elizabeth Venâncio, filósofa, mestranda em comunicação)