É inegável que o avanço tecnológico e científico tem trazido profundas mudanças no comportamento humano, proporcionando-lhe facilidades nas comunicações, transporte, no diagnóstico e tratamento de doenças, melhorias na qualidade de vida e o extraordinário conhecimento e informações sobre o espaço, o clima, o ambiente em que vivemos.
Todavia, já iniciamos uma nova etapa que nos indica quais serão os problemas que as maravilhas da ciência e da tecnologia trarão para o mundo, em um brevíssimo espaço de tempo.
No último domingo (18), um carro sem motorista da empresa Uber atropelou e matou uma pedestre nos Estados Unidos. Tal episódio ocorre em um momento em que diversas empresas testam suas tecnologias para dar início à implementação de transportes autônomos, guiados a partir de prévias programações de seu itinerário, ou, através coordenadas de GPS (em inglês Global Positioning System), um sistema de posicionamento global por satélite.
Estima-se que os veículos com essa tecnologia se tornarão populares já a partir da próxima década.
As maravilhas da modernidade tecnológica não ficarão adstritas a ensejar mudanças apenas nas cidades. O espaço sideral também sofrerá – e isso já começa a acontecer – grandes transformações em razão de sua exploração, com inevitáveis afetações sobre os terráqueos que tornar-se-ão cada vez mais suscetíveis aos perigos decorrentes do elevado número de objetos que adentrarão na atmosfera terrestre.
De acordo com a Agência Espacial Europeia (ESA), que monitora artefatos espaciais a partir de seu Escritório de Resíduos Espaciais, com sede em Darmstadt, Alemanha, em poucas semanas cairá sobre a Terra não um mero fragmento de meteoro, mas a estação espacial chinesa inteira.
Trata-se de estação espacial Tiangong-1, uma nave que orbita a Terra numa faixa oscilante entre 42,8 graus norte e 42,8 graus de latitude sul. Com essas coordenadas, é possível prever que, na América do Sul, poderá cair fragmentos em partes do território da Argentina e do Chile.
A nave, de 8,5 toneladas, encontra-se totalmente descontrolada e a sua reentrada na atmosfera terrestre está prevista para o final de março e início de abril, segundo a ESA.
Em 1957, a Rússia – na época União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – lançou o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1. A partir dessa data, foram realizadas mais de 4.500 missões espaciais, lançando no espaço milhões de destroços.
Compreende-se por destroços tanto resíduos de naves, objetos descartáveis, fragmentos e satélites desativados. Indiscutivelmente, o avanço tecnológico, decorrente dessas explorações, favorecem muito a vida das pessoas, como os serviços de telecomunicação, de meteorologia, internet, televisão, GPS, etc.
Paradoxalmente, é justamente a própria corrida espacial, que agora ameaça a vida das pessoas na Terra e os benefícios dela decorrentes. Todos os serviços decorrentes do funcionamento dos satélites poderiam entrar em colapso, deixando de existir em razão de colisões desses destroços espaciais contra alguns ou todos os milhares de satélites de comunicação existentes no espaço e que nos disponibilizam serviços e comodidades que já fazem parte de nossas rotinas diárias no trabalho, em casa, no lazer, na vida social.
A grande quantidade de lixo espacial lançada pelos humanos ameaça a comunicação global, futuras explorações espaciais, mas também nos expõem a um enorme perigo. Antigamente, os cientistas imaginaram que o espaço fosse tão colossal que seria impossível que dois objetos abandonados pudessem colidir entre si. Entretanto, em 1978, o cientista Don Kessler, pesquisador do departamento de Pesquisa em Detritos Orbitais da Nasa (Agência Espacial Norte Americana), alertou que o grande perigo para a humanidade não eram os meteoroides naturais, mas os destroços espaciais lançados pelo homem, incluindo satélites em atividade que podem colidir-se e lançar sobre a terra milhões de fragmentos com reais riscos às vidas das pessoas, a exemplo do que ocorreu na Rússia em 2013, próximo à cidade de Satki, quando uma enorme bola de fogo caiu, ferindo milhares de pessoas. Na época as autoridades anunciaram que se tratava de um grande meteoro.
Porém, posteriormente, descobriu que se tratava, em verdade, de um satélite espião russo que havia perdido o controle. O perigo de um objeto desse cair em local habitado é enorme, principalmente em razão da impressionante velocidade com que atinge a atmosfera terrestre. Um satélite situado na chamada órbita terrestre baixa (na sigla em inglês LEO, para Low Earth Orbit) viaja a uma velocidade de 27000 Km/h, dez vezes mais rápido que a bala de um rifle.
A essa velocidade, caso dois satélites colidirem, irão produzir milhões de partículas que poderão lançar-se sobre a Terra a uma velocidade de 32000 km/h. Esses fragmentos, em razão de sua enorme quantidade, poderão chocar-se a outros milhares de satélites, produzindo, numa reação em cadeia, outros milhões ou bilhões de novos fragmentos, formando um cinturão de lixo espacial sobre a Terra, potencialmente ameaçador à vida, à existência humana e a outros satélites.
Com essa preocupação, no começo dos anos 80, a comunidade espacial desenvolveu um conjunto de diretrizes, chamadas Diretrizes de Mitigação do Lixo Espacial, aprovadas pela ONU (Organização das Nações Unidas), visando interromper o acúmulo desnecessário de lixo espacial. Dentre essas normas, prevê-se o prazo de vinte e cinco anos para retirar um satélite de órbita. São as chamadas “Regras dos Vinte e Cinco Anos”.
O problema é que muitos satélites existentes no espaço não possuem mais capacidade de propulsão, principalmente em razão da ausência de combustível o que torna impossível a efetuação de manobras de retorno à Terra. O melhor exemplo é o telescópio espacial Hubble.
Trata-se de um satélite astronômico artificial não tripulado que transporta um grande telescópio para luz visível e infravermelha, lançado pela Nasa em 1990. A vida da humanidade teve muitos avanços científicos e tecnológicos graças aos infindáveis benefícios proporcionados por esse satélite, mas, quando esgotarem suas utilidades, ele se tornará mais um lixo espacial a nos colocar em risco de sermos atingidos por seus destroços. As regras de recuperação e eliminação de satélites inativos, dificilmente serão colocadas em prática.
Os chineses produziram bilhões de fragmentos de destroços especiais quando explodiram o seu próprio satélite, o Fenyung-1-C, durante os testes de um dispositivo antissatélite, lançando um projeto cinético em órbita. Essa atividade é parte do projeto de defesa aérea e espacial que está sendo desenvolvido pelos chineses.
A China, portanto, que atualmente é a maior emissora de poluição na Terra que gera os gases que destroem a camada de ozônio, supera-se e torna-se também a maior poluidora da órbita espacial da Terra, apesar de só recentemente ter se lançado à exploração do espaço. Ainda estamos longe de chegarmos a uma solução para a destinação do lixo que produzimos aqui na Terra.
Os maiores poluidores do planeta, China e Estados Unidos, ignoram os apelos de preservação e tomada de consciência ecológica, como o Protocolo de Kyoto. Destruímos florestas, rios, animais e expomos o ser humano a mutações climáticas que, segundo previsões catastróficas, inviabilizarão a nossa própria sobrevivência. Entretanto, já estamos expostos ao perigo provocado pela sujeira que fazemos no espaço, e as futuras gerações irão encontrar não apenas o planeta Terra, mas o espaço sideral totalmente poluído.
O vaticínio sobre as mazelas que o breve futuro vivenciará, lança sobre nós, que já não estaremos mais vivos, a dúvida sobre se o mundo, com o seu cada vez maior avanço tecnológico, será realmente um lugar melhor para viver.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – mlbezerraro[email protected])