“O amor é a única força capaz de transformar um inimigo num amigo”
(Martin Luther King Jr).
Em comemoração da Páscoa o papa Francisco pediu aos fiéis e clérigos que redescubram a capacidade de sentir vergonha por seu papel em relação aos problemas do mundo. Notícia mundial, a (ir) responsabilidade para com o dever reflete tempos atuais de um homem antigo e efêmero, violento, banalizado a insistir na falácia do Estado instaurado a partir do discurso dos Direitos Humanos manipulados pela Organização das Nações Unidas (ONU), instituição do faz de conta político instalada no centro do mundo, parida como “band aid” da barbárie pós-Segunda Grande Guerra Mundial – a serviço dos países ricos – ianques promotores da morte que manipula o capital e mói matéria-prima, dinheiro e gente. A produção capitalista trama, a bala e canhão, desde um passado recente, dá-se nessa fração de segundo enquanto resultado ou mercadoria final destinada ao cidadão de bem - bem remunerado -cujo dever cristão é socorrer sujeitos sem qualquer reconhecimento nem pedaço de pão, vestidos a cacos da inanição, retrato 3x4 em carne e osso do Estado moderno capenga soerguido a leis de um olho só. Se é verdade que não existe nada mais difícil de conduzir nem nada mais incerto e perigoso do que iniciar uma nova ordem das coisas, remontemos à máxima de Confúcio: “Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha”.
Deserdado, antes mesmo da concepção, o sujeito de luta é metido na guerra pela sobrevivência e trava enquanto trabalhador a insistir – já na sua concepção uterina – imaginar vencer, até descobrir que o segredo da vida esconde na morte da carne para com o mundo material em luz. Ao aprender, viver e vivenciar com quem ama, incentiva o perigo do ódio alheio, decepcionado com os ratos que sempre abandonam o barco à deriva. Com os grandes de alma reflete – em meio ao sistema que define os taxados de simples. Vai-se tornando mais puro e depurado, apesar de misturado aos militantes aos quais empresta e toma identidade. Perdido em meio aos confusos tempos de vida vazia, delira – enquanto chora – e sorri da vida, das pessoas, das almas e dos incontáveis fantasmas os quais espanta com o leque da fome invisível aos olhos de quem carrega na barriga dos direitos uma casa, o pedaço de pão, alguma fagulha de dignidade. A visitar terras distantes – solitárias – percebe a nebulosa e miserável herança estreitada na figura do pai. O pai material, o mesmo que sustentou a prole ao montar letras num balcão tipográfico e contar ao filho da mãe sobre sua mãe-coragem. Aquela mulher responsável por muito mais que uma simples jornada a cuidar dos filhos carentes, alimentados a esperança e fé num futuro melhor, num lugar qualquer que não este mundo cão. Os instantes mais dolorosos da vida são aqueles que revelam a pétala da flor a queixar-se – desolada – à aurora, por ter perdido a sua gota de orvalho. Ao que esta, radiante, mostra-lhe que havia perdido todas as suas estrelas.
Líder da Igreja Católica, instituição milenar responsável por cristianizar os índios e etnias sem face – mundo afora – Francisco repetiu o ato do ano anterior ao citar as principais razões da vergonha expostas nas pessoas enganadas pela “ambição e glória vã” assim como a “lepra do ódio, egoísmo e arrogância”. Triste sem poder ser alegre, a história recente conta das instituições seculares a serviço de uma verdade imposta por ricos e coronéis endossados nos decretos de reis e compadres, padres e suas beatas. Acontecimento histórico que perpetua no mundo – até pouco tempo redondo e azul – a proposta da salvação a ser bebida, digerida noutro mundo que não este, retratado na metáfora do globo da morte. Instiga a discussão midiática sobre a liberalidade do papa Francisco, homem comum “representante de Deus na Terra” que decidiu jogar pela janela da verdade a ostentação da Igreja milenar, rica, ditadora de normas, comerciante da fé. Sobre esta questão, pontual e interessante, vale observar e trazer à tona a fala de um padre – da vizinha cidade de Luziânia – militante da causa popular, em Goiás, conhecedor de homens e lugares: “Não devemos nem podemos confundir as coisas. Lutero, que era bem intencionado, não tem nada a ver com a bandalheira de alguns líderes evangélicos e suas igrejas. Assim como São Pedro, tão bem intencionado, nada tem a ver com católicos tradicionalistas que adoram chamar as outras pessoas de "excomungados" e "comunistas”. Católicos tradicionalistas e evangélicos fundamentalistas são iguais quando se atacam mutuamente. Não são ‘os filhos de Lutero’ que promovem campanhas de difamação ao papa Francisco, mas sim pessoas que se dizem muito católicas, mas que não têm amor no coração. No Dia do Juízo, teremos muitas surpresas” (Padre Antônio Piber). Se todos os erros são desafios, é aceitando e vencendo os desafios que a coletividade continuará viva.
Contam os programas religiosos de R$ 1,99 – a ocupar cerca de 21% do tempo total na grade comercial da televisada, seguida por gêneros como telejornal (15%); séries (12%); variedades (7%); e televendas (6%) que, a partir da aceitação do sofrimento, causado pela desigualdade instalada na esfera material, a vida tida como mercadoria – não uma dádiva – pode alcançar, por mérito, seu lugar ao sol, quem sabe, no tamanho do dízimo, de frente para o mar. Estaria a gênese do aborto da vergonha nos homens comuns expostos ao pecado e à incrédula banalização dos deuses, antigos e obsoletos? Numa tradução mais literal de Eclesiastes (12: 13), o verso 13 diz: "Teme a Deus e guarda seus mandamentos; porque é o todo do homem." Salomão afirmou que o temor do Senhor e a obediência tornam as pessoas existencialmente completas, preenchem seus vazios, produz satisfação e significado para a vida. Se a adversidade é um espelho que reflete o verdadeiro eu, ao revelar o gênio, a prosperidade o esconderá. Só é belo acreditar na luz quando é noite. Aquele que deseja ir até o fundo de si mesmo jamais será poupado do desafio do sofrimento. Vencer não é competir com o outro e sim derrotar os inimigos interiores, afinal, vencer retrata a realização do ser. Os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas só em contradição com o que se sabe dela. As dúvidas são traidoras, fazem perder o bem que às vezes se poderia ganhar pelo medo de tentar. O rio atinge seus objetivos porque aprendeu a contornar obstáculos. A adversidade é o microscópio que ensina a olhar a vida com maior profundidade.
Como alguém pode recusar a garantia de tão grandes benefícios, os quais livrariam o homem moderno, da vergonha do pecado, advindo da concepção humana – antes mesmo do evento Adão e Eva e a partir do pecado original? Teria sido a tal culpa obra dos primeiros habitantes da Terra – ainda virgem – tentados na serpente? Ou por ter o homem conhecido a verdade? Se no princípio, e, no Paraíso, o homem via, vivia e se relacionava com Deus plenamente, bebia da paz a refletir Sua glória, o que foi que deu errado? Será que o homem acertou em tudo e Deus sempre esteve errado, inclusive por acreditar no ser humano depois de sua adolescência? Reafirmando que só o perdão pode vencer o rancor e a vinganças e somente o abraço fraternal é capaz de dissipar a hostilidade e medo do outro, o papa realizou a Via-Crúcis dedicada aos jovens. Motivo do sínodo, reunião mundial de bispos, a ser realizada em outubro, utilizando textos escritos e lidos nas 14 estações (produzidos por jovens entre 16 e 27 anos) o ato se deu com a presença dos fiéis escolhidos – a dedo – a representar o mundo capitalista crente no poder do cifrão e descrente de Deus. A penitência do peso do objeto de adoração, justificado no mito, se deu ao que os fiéis revezaram o peso da cruz durante o ritual que contou com a participação de Riad Sargi, de Cáritas, na Síria: “Carregamos todo o sofrimento do povo, das crianças, dos pais e das mães de nosso país”. Ao falar de sofrimento, o presidente americano, Abraham Lincoln atesta que “o êxito na vida não se mede pelo que você conquistou, mas sim pelas dificuldades que superou no caminho”. Ao que o filósofo da navalha apura: “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte” (Friedrich Nietzsche). Ao cantar sobre a sina do trabalhador, em reflexão pura – sem jamais ser somente simples – o paraibano Zé Ramalho conta ao senso comum do que é o sofrer a escapulir da prisão entrecortada pelos muros da iniquidade a instigar o poder da mente: “Se eu disser que é meio sabido, você diz que é meio pior, mas e pior do que planeta quando perde o girassol. É o terço de brilhante nos dedos de minha avó e nunca mais eu tive medo da porteira, nem também da companheira que nunca dormia só”.
Ao deixar de temer e obedecer a Deus, o homem – mortal – perdeu privilégios que o davam o ar de satisfeito e completo com relação à vida terrena. Depois que o pecado (corrupção dos valores) transfigurou a mente e condição humana, sobre todas as experiências que o homem vive e busca nesta vida, Salomão reafirma que a mais importante e urgente obra do ser racional é temer a Deus e obedecê-Lo. Para além desta efemeridade, tudo é vaidade, desperdício de tempo, esforço sem resultados, esperança inconstante, distrações provisórias de angústias e inseguranças diante da iminente vida após a morte! “Nossas gerações estão deixando aos jovens um mundo fraturado pelas divisões e pelas guerras, devorado pelo egoísmo em que as crianças, os jovens, os doentes e idosos são colocados à margem”, afirmou o papa Francisco. A palavra “dever”, adicionada em algumas traduções, expressa a ideia de que toda a responsabilidade e propósito do homem diante de Deus é temê-Lo e andar em conformidade com a Sua vontade. Salomão apresenta uma razão muito clara, o juízo Divino (v. 14): “Esse último pensamento adverte aos leitores quanto à certeza do dia em que Deus julgará a todos, dia esse que se aproxima e estaremos diante do Supremo Juiz, com todos os resultados produzidos na história das nossas vidas, quando tínhamos a instrução dos Seus ‘mandamentos’. Nesse dia, cada ação será julgada, inclusive as que são mantidas em segredo. Será impossível esconder algo do Seu juízo”, atesta o pastor Ericson Martins, discipulador e autor do “Guia de Estudos do Discipulado Bíblico”, editado em três volumes.
Notícia impressa antiga, a embrulhar verdura e construir mosaicos da história humana – mal contada – o povo, espalhado pelos seis continentes, em guerra, mal anda a gritar por poder. Não o poder da política instalada a cifrão e covardia e sim o poder capaz do poder de comer, poder vestir e poder estudar, poder acessar saúde, desfrutar algum lazer, poder ter qualidade de vida e poder viver com dignidade, poder o poder. Mais certa que a certeza da morte, a sabedoria insiste em que cada um só dá o que tem, muitas vezes, até aquilo que não tem. A (des) humanidade enxerga caolha, e, no horizonte da vida, o resultado da escrita de vida que a riqueza, também a pobreza têm. Ainda que a podridão da ganância capital – denunciada durante a Páscoa – pelo papa Francisco, existem líderes que carregam o peso da consciência, como o ex-presidente uruguaio, José Mujica, 85 anos de idade, que vaticina: “Sou austero, sóbrio, carrego poucas coisas comigo, porque para viver não preciso muito mais do que tenho, pois luto pela liberdade e liberdade é ter tempo para fazer o que se gosta.” Não é de hoje que a (des) humanidade fala sobre o tempo. Também não é de hoje que se sabe como resolvê-lo, pois “aqueles que, sem conta, gastam tempo, quando o tempo chegar, de prestar conta, chorarão, como eu, o não ter tempo” (Antologia Poética - Frei Antônio das Chagas).
A cerimônia de Páscoa realizada no Coliseum de Roma foi vista por mais de 20 mil pessoas, vigiada por cerca de 10 mil policiais e soldados espalhados pela cidade a celebrar a renovação da fé, do homem. De uma fé do homem nos homens de um mundo no qual “quem é ateu e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar, nem cansam de esperar” (Caetano Veloso – Milagres do povo). Numa Terra viralizada a partir da selfie da violência espairada, afirma o pesquisador Paul Adams que “precisamos entender mais de pessoas do que de tecnologia”. O americano Adams é, atualmente, um dos principais profissionais do segmento de plataformas de redes sociais, protagonista de uma das histórias mais mal contadas sobre demissões e admissões em empresas de tecnologia.
Sem jamais pretender esquecer o que a arena Coliseum significa como referencial da barbárie humana o fato é que, dias antes do evento, sete homens foram presos acusados de planejar atentados terroristas estudados por extremistas islâmicos. Essa é uma relação de ódio e gozo que remonta a dezembro de 2017, quando numa ação tida pela verdade ocidental como violenta, o tunisiano Anis Amri – armado de uma carreta e sua verdade fundamentalista oriental – invadiu e matou 12 pessoas no mercado de Natal de Berlim, na Alemanha. Resta saber quem é o terrorista, se o Ocidente branco e rico ou o Oriente, pobre e fundamentalista. O filho de Deus ou do Diabo ocidental - exposto nos ianques, soldados e vítimas da guerra – faz discurso e trama a guerra no púlpito da Organização das Nações Unidas (ONU) vestido em terno, ganância, armas, hipocrisia, mentiras e gravata. O muçulmano ainda dorme com a cabeça sobre o Alcorão a enfrentar pesadelos com relação à próxima bomba a ser derramada sobre o derrame de inocentes vestidos em burca e ghafiya, Ghtrah ou turbante. Enquanto o mundo em seu lado pecador ocidental não perde a hegemonia e poder de guerra e o Oriente condenado à exclusão respira no balão de oxigênio “o pulso ainda pulsa, mesmo e apesar da peste bubônica, câncer, pneumonia, raiva, rubéola, tuberculose, anemia, rancor, cisticercose, caxumba, difteria, encefalite, faringite, gripe, leucemia. O pulso ainda pulsa! Mesmo que a hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia, toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia, úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria, sífilis, ciúmes, asma, cleptomania. E o corpo ainda é pouco, devido a tanto reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia, hérnia, pediculose, tétano, hipocrisia, brucelose, febre tifoide, arteriosclerose, miopia, catapora, culpa, cárie, cãibra, lepra, afasia. O pulso ainda pulsa, e o corpo ainda e pouco!” (Titãs).
O caso da Síria, ocidentalizada, denuncia uma soma a refletir como o inferno na Terra, exposta na estatística cruel, fria e capitalista de que os mortos esquecidos pela força da ONU – aliada dos ricos – denunciam o número coletado, antes mesmo de 2011, quando os feridos no conflito alcançam a casa dos mais de 11% da população abandonada pelo resto do mundo. Segundo números, cerca de 400 mil mortes ocorreram diretamente devido à violência, enquanto 70 mil pessoas morreram por não ter acesso a tratamento adequado, medicamentos, água limpa ou abrigo. O número de feridos chega a 1,9 milhão de pessoas. A expectativa de vida no país caiu de 70 anos, em 2010, para 55,4, em 2015. As perdas na economia são estimadas em US$ 255 bilhões, segundo o jornal britânico “The Guardian”, o que remete à arguição da Bíblia cristã: “Até quando dareis sentenças injustas, favorecendo os ímpios?” (Sl 82,2).
A notícia comercializada enquanto fato histórico revela uma sociedade erguida a cacos de vidros atirados no lixo de um coletivo que produz, vende e consume vida e morte, fetiche, dor e prazer. Sobre essa mazela a canção “Libido” denuncia que: "A libido está em toda parte no mundo virtual ou na realidade, no hall do elevador, na mão do biscate, no gesto do plebeu ou da majestade, em quem chega cedo ou em quem já vai tarde" (Ana Carolina). Sem esquecer o provérbio africano a aconselhar que “quando o rebanho se une, o leão vai deitar com fome”, e, devido à discussão e conjuntura, cabe recordar o antropólogo Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem venceu.”
Entre gavetas e espelhos a identidade e memória mundial respira uma diversidade transformada em lenda. São histórias e causos reais tornados folclore, a promover ritos, tradições, aspectos culturais, ritos e tradições da identidade envolta em alta modernidade tocada, aqui e acolá, pela força dos movimentos sociais. Os dias concorrenciais perpassam a vivência engendrada de uma realidade a embalar a força humana e parir cultura, relembrar a personalidade influenciada pelo meio. Enquanto isso outras identidades seguem a pulsar um mundo no qual “o corpo é o primeiro instrumento do homem e o mais natural, ou mais concretamente, sem falar de instrumentos, diremos que o objeto e meio técnico mais normal do homem é o seu corpo” (MAUSS, 1971).
Se as feridas do coração, como as do corpo, mesmo quando saram, deixam cicatrizes, segundo Saadi, celebrar a vida é somar amigos, experiências e conquistas, dando-lhes sempre algum significado. Desde que não seja o da verdade única cristã ocidental, tampouco, a partir do fundamentalismo sectário, a representar pequena parcela do mundo oriental, célula em expansão a espalhar e parir seguidores, a cada segundo das horas e dias, planeta afora. Este mesmo planeta rico e tão pobre, desigual e covarde, a enterrar crianças inocentes como Aylan, de três anos de idade, cuja foto de seu corpo morto em uma praia, na Turquia, chocou – sem mudar – o mundo capitalista e quadrado. A foto, talvez mais que o fato, ilustra a gravidade da crise migratória e moral que atinge a Europa, o Norte da África, o Oriente Médio e o princípio do mundo ultramoderno imbecil e vulnerável, a seguir comprando, vendendo e matando coelhos e crianças, inocentes e culpados num jogo tramado e covarde a perpetuar as iniquidades.
E o pulso... ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo, professor universitário, mestre em Serviço Social e doutorando em Ciências da Religião/PUC-Goiás, mestrando em Direitos Humanos/UFG, membro do Conselho Editorial da Kelps Editora)