Dentre os milhares de vernáculos que a escrita humana já inventou talvez a paixão seja o que mais sintetiza o ano de 1968.
Este sentimento profundo, arrebatador e transformador impulsionou e provocou grandes mudanças nas sociedades que, apaixonadamente, coexistiram naquele que foi um dos anos mais intensos e emblemáticos do século 20.
As contestações ideológicas de uma bipolaridade nuclear, as ditaduras latino-americanas, as convulsões francesas, a guerra do Vietnã e o germinar da primavera resultaram não em grandes mudanças políticas ou ideológicas, mas sim em irreversíveis mudanças comportamentais.
O slogan provocador “É proibido proibir” traz o compêndio mais fiel deste ano; pois, embutia na mentalidade juvenil daquela época uma nova conceituação de liberdade, inclusive sexual, e em peculiar, a origem da emancipação feminina.
A chegada da pílula anticoncepcional revolucionava e afrontava o machismo e a moralidade das parcelas conservadoras em todo mundo.
A face perversa de uma visão do sexo apenas como meio de reprodução que condenava em especial a mulher, era insultado por essa mudança que dava o direito à mulher de engravidar conforme seu desejo.
Reações fortes ocorreram com a publicação pelo papa Paulo VI da carta encíclica Humanae Vitae, de 25 de julho de 1968, que proibia os fiéis católicos do mundo a usar as pílulas anticoncepcionais, ou de qualquer outro método mecânico ou químico de controle de natalidade.
Questões sociais como o crescimento desordenado, em especial das parcelas mais pobres, polemizaram o debate entre os defensores da pílula contra os argumentos religiosos e conservadores da igreja.
A autonomia da mulher estava no centro do debate, e as mudanças comportamentais avançavam, velozmente, mudando paradigmas inimagináveis para aquele ano convulsionado de paixões.
Estas mudanças jamais pararam. A lógica do sexo, como mero instrumento reprodutor, deu conceituação de prazer e de liberdade.
O poder de controle da gravidez proporcionou autonomia à mulher, abrindo espaço para carreiras profissionais e acadêmicas; ambientes antes restritos aos homens.
Enfim, 1968 mudava o comportamento humano, revolucionava conceitos.
Apaixonava-se em causas, muitas das quais não políticas apenas, pois se mudava também a face humana.
(Henrique Matthiesen, bacharel em Direito)