Aqui no Brasil, o nosso Código Penal, que é de 1941, já nasceu discriminando o menos favorecido e favorecendo os ricos.
Na escala de valores do homem, em primeiro lugar vem a honra; depois, a integridade física, e, por último, o patrimônio. E o próprio dia-a-dia demonstra isso: a vítima implora ao bandido que leve o carro, o dinheiro e o que quiser, em troca de não a molestar, não lhe tirar a vida; e muitas vezes uma pessoa mata para “lavar a honra”, num crime dito passional.
Pois bem, para o crime de injúria (art. 140), a pena é de detenção, de 1 a 6 meses ou multa. Para a lesão corporal (art. 129), é de detenção, de 3 meses a um ano; mas para o crime de roubo mediante violência ou ameaça (o famoso assalto), é de 4 anos a 10 anos e mais multa.
Agora, pergunto eu:
Já se viu tramitar um processo em que um rico empresário praticou um assalto? Ou um em que um pobre carroceiro processou alguém por injúria, calúnia ou difamação? Se existe, ainda não vi na minha carreira. Daí, eu, sem medo de errar, digo que há “crime de rico” e “crime de pobre”.
Isto, porque tais penas foram adequadamente fixadas para beneficiar o rico e prejudicar o pobre, num Código Penal fascista.
Há um outro paralelo interessante: no Código Penal há um crime chamado “esbulho possessório” (art. 161), que consiste na apropriação de terras mediante violência ou grave ameaça, que se assemelha, apenas para efeito de comparação, “ao roubo mediante violência ou grave ameaça”,
Enquanto o “esbulho possessório”, que é praticado quase que exclusivamente por fazendeiros abastados, comina uma pena de detenção de 1 a 6 meses (só no papel, pois nunca vi uma condenação), o “roubo mediante ameaça”, exclusividade do menos bafejado pela fortuna, rende uma pena de 4 a 10 anos de reclusão. É uma verdadeira incoerência, já que o bem subtraído pelo rico é infinitamente mais valioso do que o surrupiado pelo pobre.
Pelo nosso Código Penal, é menos grave apropriar-se, nas mesmas circunstâncias, de uma fazenda do que de um mísero relógio do Paraguai.
Se o Brasil fosse um país sério não haveria tanto protecionismo. Um dos exemplos é a prisão especial. No âmbito do Direito Processual Penal há a previsão de prisão especial para ministros de Estado, governadores e seus respectivos secretários, prefeitos municipais, vereadores, chefes de Polícia, parlamentares, oficiais das Forças Armadas e das Polícias Militares, magistrados, diplomados em qualquer curso superior, e assim por diante.
Aí é que está a incoerência: se o indivíduo tem instrução ou cargo relevante deveria dar o exemplo. Em países evoluídos, a lei é igual para todo mundo. Há pouco tempo, um ex-primeiro ministro português, atuante na política lusitana, teve sua prisão decretada. E Lula, Dilma e outros declaradamente corruptos estão soltos. Nem processados são. É como se fossem revestidos de teflon: nada pega neles, porque existe conivência daqueles que deveriam agir.
A legislação vigente costuma punir com rigor o cidadão, mas não autoriza o Judiciário a punir os bancos. Se alguém receber determinado valor ou objeto de outra pessoa, não pode retê-lo ou utilizá-lo sem autorização do dono, sob pena de responder por apropriação indébita (art. 168 do CPB); mas se alguém faz um pagamento mediante depósito em conta-corrente, o banco, sem autorização do correntista, sempre saca o dinheiro e o movimenta por vários dias até entregá-lo ao credor. E não há qualquer penalidade para o banco.
Outro absurdo é a alienação fiduciária em garantia: um banco, ao financiar um bem durável (um carro, por exemplo), assegura-se pelo instituto da alienação fiduciária, firmando um contrato, e, no caso de qualquer atraso de pagamento, é autorizado pela lei a requerer sumariamente a busca e apreensão do bem financiado; e – mais absurdo ainda – o decreto-lei 911/69 praticamente obriga o julgador a conceder a liminar para o banco (“a qual será concedida liminarmente”, diz a lei); mas se um particular vende um carro, e o devedor atrasa o pagamento, não pode pedir a apreensão do veículo. Terá que discutir na Justiça o contrato de compra e venda, o que pode se arrastar por meses e meses, e às vezes por anos.
Como magistrado, jamais concedi uma liminar com base no decreto-lei 911/69.
Como já disse antes, neste mesmo espaço: eu não acredito na Justiça, mas não me refiro aos julgadores, e sim à própria lei, que é moldada para atender a interesses de quem a cria.
Quando o juiz federal Sérgio Moro decretou a prisão dos chefões de famosas e ricas empresas, causou espécie, como se rico tivesse que obedecer a legislação diferente.
É isto que dá um país potencialmente rico e privilegiado (sem intempéries, como vulcões, terremotos, furacões etc.) não ir para a frente: é governado por títeres de um molusco analfabeto, que agasalha a corrupção dos políticos, entravando o progresso E embotando a seriedade e a credibilidade, onde a desonestidade é que é a regra.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI - e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas - Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado. liberatopo[email protected])