“O espírito e a noiva dizem: ‘Vem!’ E todo aquele que ouvir diga: ‘Vem!’ Quem tiver sede venha; e quem quiser beba de graça da água da vida”
(Apocalipse 22: 17)
A seca é parte do fenômeno da desertificação, determinação histórica que já em 2006, não dá trégua a mais de 30 milhões de brasileiros instalados nos quatro cantos do Brasil, em especial na Região Nordeste. O acontecimento levou o governo do Ceará a adotar medida extrema a fim de garantir o abastecimento humano de água ao cearense quando decidiu instalar, no litoral de Fortaleza, uma unidade de dessalinização da água do mar para complementar o atendimento à população. O plano é que, até 2020, parte dos habitantes da cidade passe a matar a sede bebendo água do mar sem sal, e, com certeza, a qual virá salgada no preço em gotas de benefício social devido ao custo do processo da entrega de equipamentos sociais aos eleitores surrupiados em direitos. Até o último mês de maio, o Estado recebeu dois estudos técnicos sobre o projeto, orçados em cerca de R$ 500 milhões destinados à causa da seca provocada pelo “homem que chega e já desfaz a natureza, tira gente põe represa, diz que tudo vai mudar. O São Francisco lá pra cima da Bahia, diz que dia menos dia, vai subir bem devagar. E passo a passo, vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o sertão ia alagar” (Sobradinho, Trio Nordestino).
Uma empresa sul-coreana e outra espanhola foram escolhidas, no fim de 2017, para apresentar as propostas de engenharia, com indicação do melhor modelo tecnológico para retirar o sal da água e o melhor local para sua instalação. A meta do governo é de que a água retirada do Oceano Atlântico atenda pelo menos 720 mil habitantes de Fortaleza, capital que consome, hoje, cerca 8 m³ de água por segundo. A planta de dessalinização tem projeção de entregar 1 m³ de água tratada por segundo, o equivalente a 12% do consumo na cidade. O empreendimento vai a leilão no segundo semestre e tem previsão de entrar em operação nos próximos dois anos na Capital cearense. A cidade conta com cerca de nove milhões de habitantes, encravada no Estado do Semiárido, descrito e rabiscado por escritores de renome em meio a verdades, seca e êxodo os quais sentem, no fundo do estômago e da alma a fome que mira sedenta a salvação distante vendida a dízimo, acuada num horizonte que tem início aonde termina o vez, a voz, a dignidade e o mar. Uma nação de desesperados comparados por João do Vale a uma ave rapina que “num vai morrer de fome, carcará mais coragem do que home, carcará pega, mata e come, carcará é malvado, é valentão, é a águia de lá do meu sertão, os burrego novinho num pode andá, ele puxa o umbigo inté mata” (Carcará).
A alternativa tecnológica faz respirar uma gota da chance de futuro e traz como proposta complementar o abastecimento de água aos humanos a partir da dessalinização da água do mar. O plano do governo que além de capitalista é brasileiro conjuntural pretende contratar firmas para construir e fiscalizar a operação com a contrapartida estadual da compra de toda água tratada pela empresa, ligando dois pontos de distribuição da Companhia de Água e Esgoto estadual, estabelecendo tarifa máxima que pretende pagar para cada litro de água sagada transformada em água doce. Vencerá a licitação a companhia que apresentar a menor tarifa, a ser paga pelo consumidor final. Experiências internacionais apontam que cada metro cúbico de água sem sal teria um custo médio de U$ 1 (cerca de R$ 3,50), hoje, taxado no valor médio praticado, para cada metro cúbico de água doce, em cerca de R$ 3. Algumas plantas de dessalinização de maior porte, como as de Israel, conseguem chegar a US$ 0,60, para cada metro cúbico de água tratada, objetivo a ser alcançado numa segunda unidade de tratamento, dobrando a capacidade de dessalinização da água num lugar e seu povo acostumados ao status e “o drama da humana manada” que diz: “Terra arrasada onde se arrasta a multidão. Vem que está na hora, não enrola, nem demora, para não ficar de fora da fila do sacrifício. O trem vai rumo ao precipício. Estamos no vagão, somos a carga amarga, tristeza de boi ruminando aquilo que era para ter sido e não foi” (El Efecto)..
O objetivo da peleja é reduzir a dependência de Fortaleza das águas do Açude do Castanhão, distante cerca de 280 quilômetros da capital. A principal caixa d'água ou reservatório que abastece a cidade vive sua pior situação, desde 2002, quando entrou em operação com apenas 3% do que teria capacidade de armazenar. Em 2017, o governo do Ceará entrou em conflito com usinas térmicas de energia, instaladas no Porto de Pecém, as quais vinham utilizando água, em excesso, do Castanhão - para resfriar turbinas -, acusadas de terem abandonado os planos de dessalinizar a água do mar para usar nas operações. Hoje, porém, a ideia é que essas termoelétricas passem a utilizar águas de reuso em suas atividades. Para a população, a fonte será o oceano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. Cabe ressaltar que esta mesma população tanto no Ceará, quanto no restante do Brasil, de Cabral a Cabral, assiste acostumada à “Noite torta”, e, “na sala uma fruteira onde a natureza está morta, laranjas, maçãs e peras, bananas, figos de cera decoram a noite torta, aonde sob a janela do quarto a cama dorme vazia” (Ney Matogrosso)
Diferente no sotaque e na consciência ao consumir a água, no Chile, a família Valenciana tem que refletir como usa o bem comum tornado pelo sistema capitalista mercadoria, segundo os céticos teóricos da Teoria da Conspiração caracteriza a Terceira Grande Guerra Mundial. Perto do antigo leito do Rio Ligua, relembram o passado: "Muitos animais morreram, fomos obrigados a vender os animais, foi uma miséria pura", conta a família de agricultores que perdeu os dez cavalos, por falta d'água, e teve que parar de lavar roupa para poder cozinhar. O problema da água, presente em grande parte do território do Chile, é muito visível na região de Petorca, no interior de Valparaíso, área onde há o cultivo de 4% dos abacates do país. Junto às terras secas dos pequenos agricultores encontram-se grandes superfícies verdes. As empresas produtoras agrícolas extraem a água das nascentes dos dois rios da área, por isso, a água não chega às áreas povoadas da região. Em 20 anos, a região passou de dois mil para 14.500 hectares de abacates cultivados. O negócio agroexportador tem provocado feroz privatização da água na região, desde 2007. A governança e privatização da água foi um dos temas em debate no “8° Fórum Mundial da Água”, realizado em Brasília, em março deste ano. E se o tema do artigo é a água em abundância ou a falta dela, vale a reflexão: “Reféns da mesma trama, o drama da humana manada, a vida é isso camarada? Começa como dádiva, mas logo vira dívida se sobrevive à dúvida. Algo segue te dizendo que você valia mais, valia mais valia. Mas veja só que ironia! Ter a pressa de chegar onde não se queria, sempre para lá e para cá maldito dia a dia, o espírito no fosso, a fossa. Mas que vida de cão essa nossa! Malandro é o cavalo marinho que se finge de peixe para não ter que puxar carroça. Não, não, não! Espera lá, trabalha, espera porque quem trabalha prospera e quem espera sempre alcança. Não desespera, depois da tempestade, vem sempre a bonança” (El Efecto).
Ainda com relação ao Chile, segundo a organização Modatima, não sai mais água de 80% das torneiras de Petorca, região onde moram 75 mil pessoas, num Estado que providencia, uma vez por semana, água para a população transportada em caminhões-pipa. Quando insuficiente, os vizinhos têm que contratar por conta própria um caminhão com água, o que custa caro, pois a cada mil litros de água são gastos US$ 14 dólares em meio a uma realidade onde a maioria da população da região, cerca de 70%, ganha menos de US$ 23 dólares por dia. A dificuldade financeira para comprar água é ainda pior porque, com a seca, parte da população perdeu sua principal fonte de renda, a agricultura e a pecuária. Os 50 litros diários de água, entregues pelas autoridades, não são suficientes para Verónica Vilches, moradora de San José, para quem a água não é bastante para beber, tomar banho, lavar louça, realidade que segundo a Universidade Federal de São Paulo, denota cota de água equivalente ao gasto em um banho de chuveiro, de cinco minutos. Se o leitor se espanta com a práxis que os homens modernos fizeram da dádiva em abundância, transformando-a em necessidade, carência de milagre e mercadoria escassa de alto custo, a transformar a vida na Terra e no Universo, chamada água, cabe reafirmar que "muitos acidentes ocorrem como se os céus não tivessem querido que os evitássemos. Se isto acontecia em Roma, cidade onde reinavam a grandeza d'alma, a religião e a sabedoria, não é de se espantar que aconteça também, com maior frequência ainda, nas cidades e províncias desprovidas de tais virtudes" (Tito Lívio).
Sem água o bastante para consumo, nem dinheiro para comprar mais, as 11 casas de El Bronce ficam cada vez mais vazias. Os jovens emigram para trabalhar na mineração, após vender os animais. O Estado foi claro, a água providenciada é só para consumo humano, o que provoca raiva, impotência, da população de mãos atadas, abandonada à sede de água e gestão. O problema está nas leis chilenas, onde a Constituição estabelece, em seu artigo 19, que a água é um bem econômico a ser comprado no mercado, segundo a oferta e demanda, caso único no mundo. Problema que se estende ao longo de todo o território chileno, em especial na área central do país, onde os donos da água são as indústrias agrícolas. Ao Norte, as mineradoras, e, ao Sul as hidrelétricas e produtoras de madeira, todos os rios do Chile têm dono. As empresas proprietárias das fontes de água do Chile têm a livre capacidade de fixar preços do líquido tanto para as grandes empresas como para as distribuidoras que atendem à população. A situação se agrava pela falta de mecanismos reguladores que garantam a chegada de água aos cidadãos, e, em nenhum artigo da legislação chilena aparece a preferência do consumo humano como preferencial frente à indústria. No último verão a previsão era de que meio milhão de chilenos não teriam acesso à água se não através de caminhões. Segundo os ativistas defensores da utilidade pública da água do Chile, o Estado deve gastar anualmente 92 bilhões de pesos (R$ 500 mil) com os caminhões-pipa de água. A diferença do país em relação à legislação de outros lugares, segundo associações ecologistas, é que no Chile os direitos sobre as águas podem ser vendidos, comprados ou herdados, tirando do Estado a capacidade de regularização desse elemento essencial para a sobrevivência humana.
No Brasil, às vésperas de uma eleição a qual revela “em nome de Jesus” disputa por projetos medíocres, espelhados talvez nos candidatos, por lei, a água é um bem público dotado de valor econômico que precisa ser urgentemente repensado ante à possibilidade de uma modernidade pós-liberal calçada em esporas e retrocesso, oligarquias e patrimonialismo a tratar o bem público e seu povo com as rédeas da marginalidade, criminalidade e desumanidade. A água, segundo explica Jorge Werneck, um dos coordenadores do Fórum Mundial da Água, tem na sua privatização uma proposta “impossível”: “Só é privatizável o serviço público, e não o bem, o que se tem é que, em algumas localidades, o serviço de coleta da água, tratamento, distribuição para a população é privatizado. Existem companhias privadas atuando no setor, assim como existem empresas públicas", pontua.
Escassez de água fez Goiás decretar emergência e avaliar o racionamento. Em decreto no mês de março, foi estabelecida esta situação nas bacias do Rio Meia Ponte e Ribeirão João Leite, que abastecem Goiânia e região, também o Estado, por 290 dias, a qual deu permissão ao governo de estabelecer medidas de racionamento caso haja necessidade. E o Distrito Federal não é a única unidade do Centro-Oeste afetada por uma crise hídrica. Garantir o uso prioritário da água, a divulgação e conscientização para o seu uso racional, a atuação de operação policial para reprimir o uso de água em desacordo com os processos de licenciamento de recursos hídricos é também medida necessária diante da redução do regime de chuvas nos últimos 20 anos. A capital do País também passa por grave crise hídrica, por lá, desde 2017, medidas foram adotadas pela gestão com cortes no fornecimento de água a cada um entre seis dias semanais, medida adotada por tempo indeterminado ou até que terminem as obras de Corumbá IV.
A água habita questões cruciais do planeta Terra como a sobrepesca, os pesticidas mortais, desmatamento, a caça ilegal desenvolvida pelos humanos colocam os animais e plantas do planeta em risco. Um painel da ONU com 550 cientistas afirmou que essa perda colossal da biodiversidade pode desequilibrar a cadeia alimentar global, os oceanos, o ar que a humanidade respira, e, claro a economia. Não há um plano para viver em harmonia com a natureza, proteger 50% das terras e mares, usar de forma sustentável a outra metade sem cair num precipício. Urge chamar atenção para essa crise agora, dos políticos que dizem e nada fazem sobre a questão das mudanças climáticas. Há que levar milhões às ruas e rodar campanhas até que defender o clima fosse manchete no mundo todo. O resultado foi o histórico Acordo de Paris. Outra barbárie humana contra os animais e o biossistema revela a matança desenfreada dos botos cor-de-rosa que pode levar a extinção desses animais, e não são apenas os botos que estão correndo risco -- há uma extinção em massa acontecendo, e a culpa é do homem capitalista e seu trabalhador explorado. Cientistas influentes estão apoiando uma ideia ambiciosa: proteger metade do planeta para que as espécies se recuperem. Urge ao governo brasileiro e outros países abraçar essa ideia. Na última metade do século XX, quase dois terços dos animais selvagens desapareceram.
Cientistas atestam que a solução é preservar metade do planeta, deixar que a natureza se recupere sozinha é cerne. Mas os políticos propaladores da politicalha, de braços cruzados a vigiar suas malas com a boca aberta à espera da morte chegar para a população lazarenta instalada na base da pirâmide social. Frente a essa crise mundial, vagueiam na bacia das almas podres a defender a ideia de que a natureza não dá notícia, dá capital ao poder do capital. Esta questão, que é fundiária, revela por outro lado uma janela de oportunidade para mudar isso: uma importante conferência de meio ambiente, em Montreal, onde governos espalhados pelo Globo discutiram os caminhos para proteção do planeta nos próximos 30 anos. Quem sabe esses líderes pudessem ouvir a canção “Planeta Água”, que afirma ser a água uma riqueza inalienável “que nasce na fonte serena do mundo e que abre um profundo grotão, água que faz inocente riacho a desaguar na corrente do ribeirão, águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão, águas que banham aldeias e matam a sede da população. Águas que caem das pedras, no véu das cascatas, ronco de trovão, e depois dormem tranquilas no leito dos lagos. Água dos igarapés onde Iara, a mãe d'água, é misteriosa canção, água que o sol evapora, para o céu vai embora virar nuvens de algodão. Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação, gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação. Águas que movem moinhos, são as mesmas águas que encharcam o chão e sempre voltam humildes para o fundo da Terra Planeta Água” (Guilherme Arantes).
Se a água falta ao Homem e ao Planeta, a doença aparece e a doença é um ótimo negócio no capitalismo quando a arena rentável, acumuladora e hegemônica funciona quando a Bayer compra a Monsanto, formando um truste. A parte Monsanto joga veneno na água, nas frutas, verduras, legumes e cereais. As pessoas consomem e ficam doentes. Aí entra a Bayer com o remédio. Ela não cura, mas a prolonga no tratamento para ganhar mais. Detentora de patentes a monopolizar o mercado, estabelece o preço que planejar. Da mesma forma que a agricultura com veneno é subsidiada pelo governo, o sistema público de saúde também pagará pelo tratamento. O político - bancado por essas empresas - trabalha para tirar as restrições ao veneno e para encarecer o custo dos orgânicos. Com aumento no número de doentes, ele promete construir hospitais. O povo vota e ele trabalha para as empresas. Assim, o Estado gira essa roda de envenenamento, doença, político vendido. Quem paga para ficar doente e depois ser tratado é o próprio cidadão. Coisas do capitalismo. Para vencer isto, há três formas: vai para Cuba, vira hippie ou luta pelos orgânicos, pela quebra de patentes, pelo desenvolvimento da ciência e por um SUS público e de qualidade
Há que ser mais que simples trabalhador, revolucionário, anarquista, pensador numa Terra aonde a população pensa que pensa, e, assiste aos últimos debates da bandalheira política, batendo palmas para representantes da Inquisição, da misoginia, do racismo, do velho travestido em discurso falacioso se propondo a novo. O profeta Isaías profetizou: “Venham, todos vocês que estão com sede, venham às águas; e vocês que não possuem dinheiro algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo” (Isaías 55: 1). No Brasil, a água é mais que necessidade básica humana, é símbolo não da tendenciosa Lava Jato ou outras investigações que correm atrás de bandido engravatado com crachá de representante do povo. É questão de revolução, de limpeza, de fazer germinar a possibilidade do novo capaz de pensar a Terra para as gerações vindouras, em detrimento do latifúndio do xerife instalado, desde o “Descobrimento da Nação”. Esta que foi a primeira de incontáveis mentiras tupiniquins, contadas sempre a partir da mão branca a embranquecer a história, criminalizar o pobre, o sujeito de cor e sotaque diferentes do branco, a instalar na miséria da razão quem produz, de sol a sol, a riqueza da Nação. Segundo Leonardo Boff: “A amplitude da crise brasileira é de tal gravidade que nos faltam categorias para elucida-la. Tentando ir além das clássicas abordagens da Sociologia crítica ou da História, tenho-me valido da capacidade elucidativa das categorias psicanalíticas da ‘sombra’ e da ‘luz’ generalizadas como antropológicas, pessoais e coletivas”. E prossegue o mestre da sabedoria lúcida em sua práxis: “A Via-Sacra de sofrimentos desses nossos irmãos e irmãs tem mais estações do que aquela do Filho do Homem quando viveu e padeceu entre nós. Excusado é citar outras maldades.”
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor; filósofo; professor universitário; mestre em Serviço Social e doutorando em Ciências da Religião/PUC-Goiás; mestrando em Direitos Humanos/UFG; membro do Conselho Editorial da Kelps Editora)