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OPINIÃO

Avós são pais sem broncas

Era per­to das 17 ho­ras, is­so de fim de tar­de, e a úni­ca coi­sa a fa­zer até o pôr do sol era ma­tar tem­po. E ma­tar tem­po, quan­do se es­tá nas ru­as, su­ge­re-nos os pri­mór­di­os da hu­ma­ni­da­de. Ou se­ja, em lu­gar do bu­có­li­co ban­co de jar­dim, es­co­lha pro­sai­ca de pou­cas dé­ca­das pas­sa­das, bus­quei a lu­mi­no­sa e co­lo­ri­da ca­ver­na das lo­jas so­fis­ti­ca­das – um xó­pin na Rua 9, no se­tor Oes­te. To­mei ca­fé (ca­ro de­mais pa­ra o ta­ma­nho da xí­ca­ra), apre­ci­ei ca­pas de li­vros, ou­vi dos ven­de­do­res a lin­gua­gem das fei­ras-li­vres (ven­de­do­res de li­vros não en­ten­dem de li­vros – mui­to me­nos da lin­gua­gem es­pe­ra­da num am­bi­en­te de li­vra­ria).

An­dei à toa, por­que ti­nha de es­pe­rar o fim da tar­de. Ocor­reu-me com­prar pã­es, que na­que­le em­pó­rio são de óti­ma qua­li­da­de. Cha­mou-me a aten­ção uma lin­da me­ni­na em seus dez anos, de­vi­da­men­te as­sis­ti­da pe­la avó, que de­ter­mi­na­va à mãe da pe­que­na (e fi­lha de­la, a avó):

– Dê-lhe cin­co re­ais, ela quer sor­ve­te.

Afas­tei-me – o as­sun­to não era da mi­nha con­ta, e não é de bom-tom ou­vir con­ver­sas alhei­as. Po­rém, nos mi­nu­tos se­guin­tes pas­sá­va­mos pe­la cai­xa – atrás de mim, a mãe con­tes­ta­va:

-– Não vai to­mar sor­ve­te, is­so não é bom.

E a avó:

– Ora, ela quer! E se ela quer, que mal há nis­so? Vo­cê, nes­sa ida­de, to­ma­va vá­rios por dia. E co­mia dois big-mac de uma vez!

– Mas eu so­fri mui­to, não lem­bra? So­fri mui­to pa­ra ema­gre­cer – jus­ti­fi­ca­va a mãe da me­ni­na.

– Mas ven­ceu, – ten­ta­va fi­na­li­zar a avó, em de­fe­sa da ne­ta – pois es­tá aí mui­to bo­ni­ta e ma­gra!

Co­mo se vê, não pu­de evi­tar... E não me li­mi­tei a ou­vir. Dei lo­go um pal­pi­te, di­ri­gin­do-me à fi­lha-mãe:

– Mui­to bem, vo­cê é mãe e lhe com­pe­te edu­car. Mas a avó, não, avó e avô exis­tem pa­ra de­se­du­car.

A vo­vó fi­cou fe­liz:

– Is­so mes­mo! Eu que­ro que mi­nha ne­ta não pas­se von­ta­de, va­mos lhe dar o sor­ve­te!

A mãe, a es­sa al­tu­ra, qua­se se da­va por ven­ci­da, mas não ocul­ta­va o de­sa­gra­do. Foi en­tão que me sen­ti in­tro­me­ti­do e in­con­ve­ni­en­te, mas o ri­so era in­con­ti­do e, pa­re­ce-me, is­so dei­xou a mãe mais abor­re­ci­da. Já não lhe bas­ta­va sen­tir-se mor­ta­de­la de san­du­í­che, en­tre a pró­pria mãe a e me­ni­na fi­lha, apa­re­cia es­te ve­lho a se me­ter na ques­tão.

Quan­do con­se­gui do­mi­nar a ri­sa­da, ten­tei me jus­ti­fi­car:

– A se­nho­ra me per­doe dar pi­ta­cos e rir as­sim. Sin­to que a pe­que­ni­na vai ga­nhar a cau­sa, pois tem a avó por ad­vo­ga­da.

Pa­guei mi­nha con­ta e me afas­tei im­pu­ne. No ín­ti­mo, cu­i­da­va de fa­zer uma au­to­a­ná­li­se e, ob­via­men­te, per­do­a­va-me por en­trar no que nem era da mi­nha al­ça­da – ou com­pe­tên­cia. Mas, prin­ci­pal­men­te, ves­tia a ca­ra­pu­ça de avô – es­se pa­ren­te que tan­to se faz fe­liz pe­los ne­tos.

E te­mos de con­ti­nu­ar as­sim, sem dú­vi­da! Afi­nal, em pou­quís­si­mos anos, tan­tos os ne­tos quan­to os pa­is de­les nos te­rão es­que­ci­do.

(Lu­iz de Aqui­no é jor­na­lis­ta e es­cri­tor, mem­bro da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras)

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