O escritor argentino Santiago Kovadloff (1942) decidiu o que queria ser, ainda na adolescência, dentro da sala de aula, quando um professor inicia a aula dizendo: “Quero lhes comunicar que sou professor de filosofia. E que filosofia não serve para nada.” Sob olhares incrédulos dos alunos, completa: “Peço-lhes apenas alguns minutos de atenção que vou lhes explicar o que é nada”. Kovadloff comenta que, ao final da explicação do mestre, sabia o que queria ser: professor de “nada”, ou seja, de filosofia. E se tornou, além de grande filósofo, professor, poeta, ensaísta, tradutor e antólogo de literatura da língua portuguesa.
Com a poesia, por vezes, ocorre o mesmo. Há quem diga que não serve para nada. Que não há lugar para o feitio lírico na selva capitalista. Que poemas não vendem livros... Como explicar o crescente aumento de poetas? Sabemos que hoje há mais poetas que ontem e menos que amanhã. A poesia, como a arte em geral, jamais será banida. A arte, como afirma Paul Klee: “Não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver”. Nas palavras do filósofo alemão, Friedrich Nietzsche (1844-1900), “A arte nos protege para não morrermos da verdade”.
A poesia é uma criação autossuficiente de plurissignificação, com seus mistérios, matizes, enigmas e obscuridades em polissemia. Mais que um gênero literário, é um ofício do ser humano sensível. O domínio da expressão da linguagem pela palavra é que torna o poeta diferente dos demais. Há quem necessite da poesia como segunda opção de comunicação, como forma de se livrar ou atenuar a dor de sentir. A poesia queima, e no seu excesso de luz, consome e traduz a vida. Só na produção poética é possível habitar entrelinhas, preencher espaços intersticiais entre a palavra e o silêncio.
Ao poeta é atribuída a aventura de barganhar enigmas. Para ele, a palavra se veste de significados que vão além do que se propõe, alcançando assim a plenitude na expressão poética. Este alcance, que a língua jamais almejaria, só é atingido por intermédio da poesia. Só ela é capaz de dizer o indizível. Mesmo com a precariedade dos meios, abordar o incomensurável. Para o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004): “Ao poeta cabe devolver à humanidade a capacidade de falar.” Para Heidegger (1889-1976), filósofo alemão: “A verdade como clareira e ocultação do ente acontece na medida em que se poetiza”
A poesia, como uma adaga em uso, perfura o invólucro em que o mundo se oculta e nos revela outro perfil. Torna possível a completude do universo, que poderá ser assimilado além de sua efemeridade. O poeta, imerso nesse espaço, deixa-nos como legado sua face oculta, transparente ou desfigurada, em que a linguagem é o transporte. A palavra poética, a ser desvendada, necessita de nossa leitura, sensibilidade, busca e revelação. Mas, para T. S. Eliot, a poesia pode se comunicar antes de ser compreendida. Ratificando este conceito, Friedrich afirma: “Ninguém escreveria versos se o problema da poesia consistisse em fazer-se compreensível”. O mistério é então parte inerente da poesia.
Santiago Kovadloff acreditou na importância do “nada”. Enquanto poeta, filósofo e escritor demonstra, em suas publicações, nos seminários, encontros e palestras que realiza em várias partes do mundo, a importância do “nada” na poesia para que possamos sentir o pulso da vida, por meio da veia poética que alimenta a alma humana e que todos possuímos. Do contrário, não seríamos humanos. E não teríamos alma.
(Elizabeth Caldeira Brito, escritora responsável pela pág. Oficina Poética do Diário da Manhã, publicada aos domingos. *Artigo publicado no dia 15/01/2009)