Nas últimas semanas, as direções da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e posteriormente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) vieram a público alertar que com as previsões orçamentárias para 2019, bolsas de estudo e financiamento de novas pesquisas científicas no país seriam cortados. Com a crise aberta no meio científico e nas universidades de todo o país, logo o governo afirmou que as bolsas da Capes estarão garantidas para 2019.
Fato é que o caso é grave, gravíssimo. A ciência brasileira está em risco, como diz o documento do CNPq. E eu diria que o descaso com a ciência é uma patologia crônica da política brasileira. A ligação é direta: um país sem ciência, é um país sem saúde. Isso para ficar restrito à saúde, mas não é o único setor afetado.
Os cortes para as instituições de fomento podem ultrapassar R$ 1,3 bilhão no próximo ano, e o prejuízo para a saúde é incalculável, já que milhares de projetos científicos que buscam tratamentos e curas para as mais diversas doenças serão paralisados ou abandonados. A pesquisa científica é sem dúvida uma medida preventiva no campo da saúde, já que ao investir em pesquisas, estaremos economizando gasto público futuro com possíveis epidemias evitáveis, caso a pesquisa estivesse sendo valorizada e financiada.
Para se ter uma ideia, no ano passado nós tivemos o reconhecimento de patente de um medicamento para o tratamento de hemangioma e o percurso para o reconhecimento desse trabalho foi lento, durou longos 15 anos. Começamos a usar o medicamento para o tratamento dos hemangiomas aqui no Hospital Materno Infantil em 2002, viramos referência mundial no tratamento nesse tipo de tumor. Ocorre que toda a pesquisa científica foi feita sem financiamento de agências de fomento e contamos com o apoio, à época, do governo estadual por iniciativa individual nossa. Com orgulho, não tivemos financiamento de nenhum laboratório ou grande indústria farmacêutica, desenvolvemos o medicamento pela necessidade de tratamento da sociedade no serviço público de nosso estado.
Ocorre que o cenário poderia ser totalmente outro. Não dependeríamos de longas batalhas individuais no mundo científico, caso contássemos com uma política sistemática e ousada de financiamento de pesquisa por órgãos federais como CNPq e Capes. Mas esta nunca foi o interesse real dos sucessivos governos até o atual.
Não pensar e não investir na ciência é a tradição da política que hoje caduca e desperta o desprezo da população. Educação e saúde são duas áreas que podem e devem caminhar juntas, caso contrário serão políticas públicas capengas. Seguiremos trabalhando e batalhando para que novos ares adentrem e façam a diferença na política, com o compromisso e a experiência de quem sempre dedicou a vida em prol do serviço público. E a pesquisa científica é peça chave para qualquer nova política que se queira implementar.
(Zacharias Calil, médico cirurgião pediátrico e pesquisador)