Inicia-se este artigo citando a frase do capitão Jair Bolsonaro, candidato a presidente da república, “bandido bom é bandido morto”, afirmação que, segundo pesquisa, é aceita por mais de 50% da população brasileira.
Segundo o Ministério da Saúde, as principais doenças encontradas nos presídios do País são tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis (DST), hepatite e dermatoses. A Saúde Penitenciária tem sido tema constante com um crescente aumento mundial de trabalhos científicos, publicados da década de 1990 a 2000, que denotam uma problemática latente e um campo aberto e amplo a ser explorado. A questão que se coloca é que a condição de confinamento dos detentos representa uma oportunidade singular para a implementação de programas terapêuticos, medidas preventivas e ações educativas específicas para esse segmento da população (GOIS et al. 2012). Sem dúvida há uma correlação direta entre a superpopulação e a qualidade de vida dentro dos presídios.
Estudos mostram que detentos brasileiros têm 30 vezes mais chances de contrair tuberculose e quase dez vezes mais chances de serem infectados por HIV (vírus que causa a AIDS) do que o restante da população. Além disso, estão mais vulneráveis à dependência de álcool e drogas. Dentre as problemáticas relacionadas à saúde no sistema penitenciário brasileiro, destacam-se, além da superlotação, a má alimentação e a insalubridade, que tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Tudo isso agravado com o sedentarismo, falta de higiene e o uso de drogas. Assim, uma pessoa fisicamente sadia que se torna prisioneiro corre o risco de sair com a sua resistência física e mental ainda mais fragilizadas. Nos presídios brasileiros faltam médicos e enfermeiros, faltam remédios, inclusive medicamentos básicos como analgésicos. De certa forma, alguns presídios tornaram-se incubadores de doenças. Afinal, as pessoas presas não foram condenadas a viver aglomeradas, passar fome e frio, a ter sua vida sexual explorada, a contrair AIDs, tuberculose e outras doenças. Segundo o Ministério Público, como um “massacre silencioso”, doenças tratáveis matam mais que a violência nas prisões brasileiras.
Daí se conclui que os apenados necessitam de um olhar diferenciado no que diz respeito a saúde, uma vez que se encontram em um ambiente propício à proliferação de diversos tipos de enfermidades e epidemias e, ao mesmo tempo, com limitação de atendimento médico e acesso a medicamentos. Uma vez condenado, a cadeia deveria ser a oportunidade não só para redimir a sua dívida com a sociedade, mas também para adquirir as competências necessárias para retornar à sociedade. Se os riscos com a saúde dos presos é maior que a dos indivíduos em liberdade, a assistência médica dessa população deveria receber atenção diferenciada.
Cabe ressaltar o artigo 88 da Lei de Execução Penal diz que “o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório” e ainda faz referência aos requisitos básicos de uma unidade celular, falando da “salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”, e por derradeiro o artigo trata do tamanho ideal para a cela, que corresponde a no mínimo 6m2 (seis metros quadrados). Contudo, este dispositivo também não possui aplicabilidade direta, uma vez que o sistema carcerário brasileiro, em sua maioria, apresenta celas maiores, mas com um número razoável de leitos para possibilitar a convivência dos apenados. Essa mudança não seria prejudicial se, ao separar os detentos, fossem observadas também as condições legais. Porém além de não serem observados fatores como por exemplo, o tipo do delito, também não são observadas condições de saúde dos apenados. E esta prática faz com que doenças transmissíveis se proliferem dentro dos ambientes prisionais.
Por fim, e não menos importante, de acordo com o artigo 120 da LEP, que faz referência ao artigo 14, parágrafo único, às situações mais complexas deverão ser encaminhadas a hos-pitais após indicação médica, autorizada pelo diretor do presídio. Contudo o SUS não atende a essa demanda da população, o que significa dizer que o apenado, quando consegue deslo-camento para uma unidade de saúde, nem sempre consegue ser atendido de forma correta e digna. Além da falta de recursos, o apenado se depara também com o preconceito (MENEZES; MENEZES, 2018).
Nos Estados Unidos, a Geórgia investiu US$ 5,7 milhões de dólares (R$ 18,3 milhões de reais) em programas de combate ao abuso de álcool e drogas, reduzindo, assim, a probabilidade de que o prisioneiro volte a cometer crimes depois de ganhar a liberdade. Já na Suécia, há um programa específico composto de doze etapas para tratar presos com algum tipo de vício, o que, segundo especialistas, está na raiz de muitos crimes (BARUCHO; BARROS, 2017). Ainda na Suécia – país com 9,5 milhões de habitantes –, a população carcerária caiu de 5.722 para 4.500, e algumas prisões tiveram de ser fechadas por falta de presos. Um relatório de Departamento de Justiça dos Estados Unidos, publicado em 2006, revelou que cerca de 56% dos detentos de presídios estatais, 45% de presídios federais e 64% das cadeias comuns sofriam algum tipo de problema de saúde mental - o que pode prejudicar sua reintegração à sociedade.
Lembra-se que a Lei de Execução Penal tem como objetivo proporcionar condições de in-tegração social do condenado e do internado o que nem sempre é observado pelo sistema
Considerações finais
A crise do sistema carcerário só será sanada se houver uma verdadeira vontade política, pois a validade do cumprimento da pena está ameaçada e sem credibilidade, devido ao cres-cente e exacerbado índice de reincidência. A ressocialização, apenas através do encarceramento, como está sendo feito, é totalmente ineficaz e para que aconteça exige que se faça o acompanhamento efetivo do apenado e do egresso. A participação da sociedade é também muito importante para que entenda que os egressos necessitam de uma nova oportunidade que os ajude a abandonar a criminalidade.
O Sistema Único de Saúde - SUS tem o papel de cuidar de todas as necessidades da área da saúde. E cuidar da saúde não é apenas medicar os doentes ou realizar cirurgias, é preciso garantir vacinas à população carcerária, dar atenção aos problemas das mulheres, crianças e idosos, combater a dengue e outras doenças. Este é o princípio de integralidade, ou seja, realizar todas as ações necessárias para a promoção, proteção e recuperação. O SUS tem seus serviços administrados pelos governos federal, estaduais e municipais e por organizações cujo objetivo é garantir a prestação de serviços gratuitos a qualquer cidadão e, claro, também ao preso nas penitenciárias.
Referências:
BARUCHO, Luís; BARROS, Luciana. Cinco problemas crônicos das prisões brasileiras - e como estão sendo solucionados ao redor do mundo. BBC Brasil em Londres. Jan. 2017. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-38537789. Acesso em 12 mai. 2018.
GOIS, Swyanne Macêdo et al. Para além das grades: uma revisão sistemática sobre a saúde penitenciária. São Paulo: Scielo. Vol. 17, n. 5, 2012.
MENEZES, Bruno Seligman de; MENEZES, Cristiane Penning Pauli. O acesso à saúde no sistema penitenciário: a (in)observância da lei de execuções penais. Rio Grande: Âmbito Jurídico. 2018.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)