Apresentou-se, no artigo anterior, uma visão geral da situação das penitenciárias brasileiras. A partir deste artigo, faz-se um rápido diagnóstico dos diversos itens, como, superpopulação, saúde dos prisioneiros, presos sem condenação, cor e raça, escolaridade, mulheres, tipos de crimes, facções criminosas e outros. O Sistema Penitenciário brasileiro entre 2000 e 2016 aumentou em 157%, ou seja, se em 2000 existiam 137 pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes, em Junho de 2016, eram 352,6 pessoas presas para esse mesmo número de habitantes. Em 2000, havia 232.755 pessoas encarceradas, em 2005, 361.402, em 2010, 496.251 e em 2016, 726.712. O estado de São Paulo abrigava 33,1% ou 240.061 prisioneiros, de longe com o maior índice de aprisionamento do país, enquanto Roraima, o menor número, com 2.339 prisioneiros.
O Brasil é um dos quatro países que mais prendem no mundo contemporâneo. Enquanto nossos rivais nessa área – Estados Unidos e China - apresentaram queda no número total de prisioneiros, o Brasil assumiu o terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem no mundo. É aterrorizante constatar que são mais de 700 mil presos para pouco mais de 350 mil vagas! Em poucos anos buscaremos a vergonhosa medalha de ouro mundial!
Mas, como o Brasil se tornou essa potência encarceradora? Por que acusados de tráfico e delitos patrimoniais monopolizam as nossas cadeias? O que explica o encarceramento em massa de jovens negros de baixa escolaridade se a lei vale para todos? Afinal, quais as práticas reais de poder que caracterizam o nosso sistema penal? Inicialmente, convém destacar que o sistema de justiça criminal brasileiro é um mecanismo de controle social articulado a partir de quatro estruturas? Poder Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e mídia?, que atuam na aplicação e legitimação do direito penal como instrumento de dominação a serviço do poder econômico (LACERDA, 2017). Hoje, o país tem uma taxa de superlotação nas cadeias de 197,4%, o que significa que existe quase o dobro de detentos em relação ao número de vagas. E essa superlotação é incompatível com o processo de ressocialização. Tudo isso é prova da ineficiência da política de segurança pública que implica no aumento da criminalidade, comprovado pela elevação das taxas de reincidência, que varia entre 40% e 70%.
A história do sistema prisional no Brasil começou em 1769, pela a Carta Régia do Brasil que determinou a construção da primeira prisão brasileira, a Casa de Correção do Rio de Janeiro. Anos depois, a Constituição de 1824 deliberou que as cadeias tivessem os réus separados por tipo de crime e penas que se adaptassem as cadeias para que os detentos pudessem trabalhar. No início do século XIX, surgiu o maior problema das penitenciárias brasileiras: a superlotação. Em 1890, com as tendências do Direito Penal tornando a punição como um método e uma disciplina, já se previa que presos, após cumprirem parte da pena, poderiam ser transferidos para presídios agrícolas, o que é lei, mas que até hoje abrange uma parte ínfima dos presos, mesmo porque existem apenas 37 presídios, divididos em agrícolas e industriais e há estados que nem sequer tem presídios desse tipo. Em 1935, o Código Penitenciário da República propunha que, além de cumprir a pena, o sistema também cuidasse da regeneração do detento, através da reeducação tendo em vista o seu reingresso na sociedade. Em 2007, setenta e dois anos depois, a regeneração dos presos ainda é uma utopia, pois o retorno à cadeia de uma grande maioria de reincidentes, prova que cadeia não regenera quase ninguém. A superlotação dos presídios que leva à mistura de presos primários com criminosos contumazes e facções criminosas contribui decisivamente para o desvio das finalidades da prisão, que deveria ser a reeducação e ressocialização do detento.
Parte da solução está na mudança do ordenamento jurídico e na sua correta aplicação. O preso que cometeu crimes menos graves deveria estar em um regime semiaberto, pois as chances dele se recuperar é bem maior do que um homicida ou um estuprador. Assim, a superlotação é provavelmente o problema mais grave do sistema prisional, gerador de outros problemas. O ambiente da maioria das prisões brasileiras é propenso à proliferação de doenças, considerando ainda que o atendimento médico é precário. A superlotação viola as normas e princípios constitucionais encontrados na Lei de Execução Penal que, no seu art. 88, estabelece que o condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Custa caro ao Estado prender um criminoso, isso porque o detento representa um gasto duplo: acomodação, alimentação e atendimento médico. Além disso, o governo deve oferecer ajuda de custo à família do condenado – a bolsa-presidiário – que, só nos últimos cinco anos consumiu R$ 25 milhões para as famílias dos detentos. E como ficam as famílias das vítimas que sofreram violência? Muitas reclamam da falta de amparo do poder público. Parentes de pessoas assassinadas não têm direito a nenhum benefício exclusivo, embora contem com o auxílio previdenciário genérico da pensão por morte. Não se pode penalizar um família inteira pelo erro de um dos seus integrantes. Diante da falta de recursos para atender o presidiário cresce a grita da sociedade e a iniciativa de políticos para que os presos paguem com trabalho a sua estadia no cárcere. Mas como conseguir trabalho para tanta gente ociosa nas cadeias? E quais empresas aceitam oferecer trabalhos para detentos se não oferecem nem mesmo para ex presidiários?
Há ainda o problema dos traficantes e usuários de drogas e das facções criminosas, que será tratado em artigos posteriores.
Levando em conta o que foi observado, acredita-se que o sistema penitenciário brasileiro necessita urgentemente de uma reforma estrutural, devido às más condições de domicílio, alimentação, saúde, higiene e tratamento dado aos detentos. Nota-se o descaso do Governo por este setor. A superlotação dos presídios, além do desconforto, gera revoltas fazendo com que as pessoas saiam piores do que entraram (VILLEGAS, 2017).
Referências:
LACERDA, Fernando Hideo. INFOPEN 2017: o processo penal de exceção em números. São Paulo: Justificando. 8 dez. 2017.
VILLEGAS, Larissa. Superlotação no sistema penitenciário do Brasil. Jusbrasil. 2017.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)