Provavelmente nem os seus idealizadores, conhecidos como o “grupo dos cinco” (Mario e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti) e, tampouco o público que lotou as dependências do teatro Municipal de São Paulo naquela noite de 13 de fevereiro de 1922, poderiam imaginar que aquela solenidade teria a repercussão que teve, transformando-se em um marco histórico para a cultura de São Paulo e, por extensão, do Brasil.
Se fizermos uma retrospectiva histórica, podemos considerar que aquele movimento, semana de arte moderna, ocorreu com alguma defasagem no tempo, senão vejamos: Desde o século XVIII, com Voltaire (heresia anticlerical) e os Iluministas, com idéias que batiam de frente com o modus vivendi, acentuando-se a partir da metade do século XIX, a vanguarda cultural européia já estava envolvida e, principalmente, discutindo o termo modernismo e os seus desdobramentos.
Embora, ainda hoje, seja difícil definir o que seja esta expressão, ela era utilizada para todo tipo de inovação ou originalidade em qualquer das manifestações das artes, como a pintura, escultura, poesia, prosa, dança, música, arquitetura, teatro e o cinema.
Os adeptos desta nova corrente eram contra a moderação, por considerá-la uma atitude burguesa e tinham como axioma algumas afirmações consensuais: Melhor que o conhecido era o desconhecido, melhor que o comum é o raro, o experimental é mais atraente que o rotineiro.
Peter Gay (Modernismo- o fascínio da heresia, Cia. das Letras, 2009) nomina Charles Baudelaire como o primeiro herói do modernismo; com a publicação de seu livro de poemas intitulado, Flores do mal, ele foi parar na Corte de justiça e obrigado a retirar daquela edição alguns poemas considerados obscenos.
Pela mesma época, outro romancista, Gustave Flaubert, também sofreu processo por supostas obscenidades contidas no seu livro Madame Bovary; o que os juízes não perceberam ou, pelo menos, não discutiram, foi a fúria antiburguesa do autor, levando-o, inclusive, à incapacidade de descrever os personagens (burgueses) com isenção de ânimo.
Era o pensamento consentâneo com a onda modernista; a aversão ao burguês e ao conservadorismo era tão extremada em Flaubert que ainda hoje assustamos com o tratamento dado à sua personagem Madame Bovary, dissecando-a como faria um cirurgião (J.Lemot, Gustave Flaubert dissecando Madame Bovary – Parodie “gravuras”, 1869).
Na pintura deve ser destacada a figura de Manet com a tela Olympia, cuja mulher nua, em posição desafiadora, chocava o público não acostumado com o realismo.
Se quiséssemos definir um período para situar o auge das idéias modernistas, poderíamos, sem medo de errar, indicar as quatro décadas compreendidas entre os anos de 1880-1920 (dadaísmo, cubismo, impressionismo, romances realistas, onde os romancistas passaram a investigar o sentimento dos personagens).
Voltando à nossa discussão sobre os acontecimentos no Brasil, quando focamos a sua origem na conjunção de esforços daquele chamado “grupo dos cinco”, chama-nos a atenção dois fatos: as figuras de Oswald e Mario de Andrade, realmente os articuladores do movimento e o momento da realização do evento, após o término da primeira guerra mundial, quando uma onda de patriotismo assolava a Europa, extrapolando as suas fronteiras “A Semana de 22: Revolução Estética? - Márcia Camargos, Cia. Ed. Nacional, 2007”.
Como aconteceu no passado (Flaubert, Picasso, Dali e outros, ficaram ricos à custa dos burgueses que eles combatiam, porém, compravam suas produções), os nossos modernistas contaram com a ajuda dos burgueses para poderem realizar a semana (Paulo Prado e Olivia Guedes Penteado, dentre outros) que garantiram o aluguel do Teatro Municipal de São Paulo e no final pagaram o prejuízo.
Na noite de estreia o auditório estava lotado, com a aristocracia toda engalanada, trajando fraque e cartola, inclusive o Governador do Estado de São Paulo, Washington Luiz e o Prefeito; coube a Graça Aranha fazer a conferência de estréia, “A emoção estética da arte moderna”.
Texto monótono e interminável, provavelmente de propósito, baseado no mesmo diapasão: “Daqui a pouco, junto com outros disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, virão revoltar os movidos pela força do passado”; depois se apresentou Villa-Lobos, usando chinelos; Menotti Del Picchia foi vaiado e Oswald de Andrade recebeu uma saraivada de batatas oriunda dos estudantes.
O curioso, como acentua a jornalista e escritora Márcia Campos (citada acima), “um evento ignorado pelo grande público, criticado pela maioria da imprensa e tido como gozação pelos organizadores, acabou transformando-se em um marco histórico da cultura brasileira”.
Ainda hoje a semana de 22 continua emblemática no imaginário das letras e das artes plásticas.
(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)