Desde que compreendi a importância do retorno às origens, como forma de resgate das raízes, decidi fazer uma viagem à terra natal. Visitar a cidade onde fiz os primeiros estudos, rever as paisagens onde vivi a minha primeira infância, manter contatos com parentes e pessoas amigas que me apoiaram nos primeiros passos pela vida. Por isso, combinei com a família - esposa, filho e filhas - fazer essa viagem. Esperei, pacientemente, que as meninas terminassem as provas, que a esposa concluísse os trabalhos no Instituto de Artes, e, montada a firma do primogênito varão, que é Engenheiro de Telecomunicações, chamei o Walter, motorista aposentado da UFG, que me acompanha há pelo menos uma década, e partimos. A previsão é ocupar a segunda metade do mês de agosto, na viagem. Sem pressa. A única preocupação: O estado de conservação das estradas.
Dia 14, domingo. Levanto-me às 5:15h da madrugada. Ginástica no terraço. Banho frio. Chamo Abadia, esposa e os filhos (Licínio Jr., Grace e Renata, a caçula que eu chamo de ‘Princesinha’). Depois, chamo Abadia e os filhos. A seguir, chega o Walter, o motorista, e o filho Ronaldo. Tomamos ligeira refeição. Licínio Jr. Abastece seu carro no posto da esquina. São 8:15h, hora da partida.
- No “Jerivá”, caminho de Brasília, DF, município de Abadiânia, parada para um breve lanche. Após, seguimos viagem com destino a Bom Jesus, PI, a terra natal.
- O almoço é num restaurante à beira da estrada, município da Alvorada.
- Penetramos na Bahia, entre os municípios de Posse e Mimoso. Após 3 horas de viagem, encontramos uma cidade.
- Chegamos a Barreiras (BA), às 19.30-h. Tomamos o “Solar das Mangueiras”, onde já estive, há uns 11 anos. Três apartamentos: Um para mim e Abadia, outro para Licínio Jr. e Walter (o motorista) e o terceiro para Grace e Renata. Após o banho, saída à cidade, para um lanche. Quase sem opção. Hospedamo-nos na ‘Bela Veneza’ - pizzaria e restaurante. Uma salada: Queijo provolone, azeitonas, tomate, palmito e um prato de filé a palito. Cerveja para mim e Licínio Jr., suco de laranja para as meninas (Grace e Renata) e Walter, o motorista.
Ambiente descontraído, na lanchonete - o simpático restaurante de arcadas, com mesas ao relento.
- O Brasil estréia bonito em New Jersey, no futebol olímpico, organizado pela “Fifa”.
- No hotel, vejo o “Fantástico”, programa da “TV Globo”.
Dia 15. Segunda feira. Levanto-me às 5:30h, com uma sinfonia de pássaros, cantando com todo entusiasmo, nas mangueiras do pátio interno do hotel. Após o café-da-manhã, no hotel “Solar das Mangueiras”, retomamos viagem, rumo ao Piauí.
A próxima parada é Santa Rita de Cássia e Formosa do Rio Preto, nome esse conferido pelas águas do rio de um colorido muito escuro, que banham a cidade. Vegetação característica - a caatinga. Aqui e ali, criatório de gado ‘vacum’.
Ao meio-dia, cruzamos a fronteira, e entramos no Piauí.
Recomeça o asfalto, parte ruim, parte melhor. Na entrada do Piauí, Cristalândia, modesta cidade, a primeira após a divisa com a Bahia. Não há plantações à margem da rodovia.
Chegamos a Corrente às 1230h. A cidade é prenunciada pelas conformações rochosas a oeste. É uma catedral de pedra!
Descemos. Walter, motorista e fotógrafo, faz algumas tomadas com a sua filmadora a oeste da rodovia que ruma a Bom Jesus e outras cidades da região. Algumas ovelhas atravessam a rodovia, atrasando nosso itinerário.
Em Corrente, cidade-polo onde morei por cerca de um ano, como sacristão do Padre Anchieta, vigário da Paróquia. Hospedamo-nos no Hotel “Rimo”, o melhor da região. Tomo os apartamentos 114 (para mim e Abadia, e 115 (para Grace, a Gracinha, e Renatinha, que eu chamo de “a princesinha”; e o apartamento 116, para Licínio Júnior e Walter, o motorista.
Por intermédio do Manoel, Gerente do hotel, falo com a Gitinha, amiga dos tempos de Sacristão. Gitinha é esposa do Hamilton. Identifico-me, e digo estar de visita à cidade, onde morei por cerca de um ano, e combino visitá-la ainda hoje.
Passo, com Abadia, Gracinha e Renatinha numa papelaria, e compro um durex para fazer os embrulhos de presentes que trouxe. A moça, gentilmente, faz os dois invólucros de presente. Vamos, em primeiro lugar, à casa da Gitinha. Ela era a organista da igreja, na minha época de Sacristão, lá pelos meus 15 anos. O tempo deixou-lhe manchas no rosto, mas lhe manteve o frescor da pele, e o brilho dos olhos. É a mesma criatura espontânea e doce, risonha, comunicativa. Abraça-me, efusivamente, evidenciando a alegria de me rever, passados uns poucos anos. A seu convite, entramos em sua residência, na Avenida Getúlio Vargas, 343. Ela manda servir cafezinho. De lá, vamos à residência da Joaquininha, a cinquentona costureira da cidade, que fez a minha primeira calça comprida. Ela mora ao lado da casa da Gitinha. Fica radiante com a minha visita, e nos serve vinho de cajá, saborosíssimo, feito em casa. De l, vamos à casa da Janette, filha do Tertim, irmã da Juarita. Fica muito alegre, transbordante de felicidade, e assaz feliz de me ver. E manda servir cajuína, a bebida da terra. O filho Terto é candidato da grei do Maluf e de Antônio Carlos Magalhães.
Voltamos ao hotel, às 19:15, e nos preparamos para jantar: Contra-filé com arroz e salada. Após, vamos ver a novela do momento - “O Rei do gado”, novela que promete muito. Durante a novela, recebo a visita de antigo colega, ainda dos tempos em que eu era Sacristão do Padre Anchieta. Joaquininha continua lúcida, nos seus 83 anos, os cabelos grisalhos. E revela impressionante memória. Sempre muito afável e brincalhona. Já Joanete está ligeiramente obesa, e não lembra, nem de longe, a moça bonita de sua adolescência. Ficou viúva do Orley, e não mais se casou.
Impressões – 1. As montanhas: A Oeste de Corrente, as montanhas são verdadeiros monumentos pétreos. Durante todo um ano em que morei aqui, passei por elas quase despercebidamente. Eu tinha, então, 14 anos. Meu deslumbramento eram as catequistas do Padre Anchieta.
- Gitinha. A voz é a mesma. Os cabelos loiros estão mais curtos, mas as mechas lembram seus antigos e sedosos cabelos loiros. Alegre, risonha, soltando sonoras gargalhadas, frescas como água cristalina da fonte. Mas as manchas escuras nos braços, no rosto, no colo são a dolorosa marca implacável do tempo. A não ser a voz, que continua a mesma de há 46 anos. – Tudo nela mudou, sob a marca do tempo inexorável. Ela era a moça do harmônio, de que ela tirava maravilhosos tons das belas músicas sacras.
- Joaquininha – Ela tem, hoje, 83 anos. Está um pouco mais cheiinha, e ligeiramente encurvada. Mas não perdeu o seu empertigamento físico e moral. Lembrou-se de mim, mas não se recordava de haver feito a minha primeira calça comprida, e, também, a primeira cueca. Recebeu com imenso regozijo, o presente que lhe trouxe: Uma bandeja de prata, com desenho de um peixe. E retribuiu com vinho de caju que ela mesma fez. Tradicionalista, mora na mesma casa que a família lhe transmitiu, construída em 1917. E nunca se casou, vivendo, honestamente, como uma moça donzela, dentro dos mais altos níveis da fé católica.
- Joanete – Não esperava que ela morasse aqui. Foi minha colega de Curso Primário, até o quarto ano, em Bom Jesus. Sempre mostrou simpatia por mim. Filha do Tertim, morava numa fazenda, com muitos cajueiros, a “Soledade”, nas cercanias de Bom Jesus. Casou-se com o Orley, de Corrente, e teve vários filhos. Orley, que conheci em 1949, quando aqui morei, no meu tempo de Sacristão, é falecido. E ela permaneceu viúva. Acolheu-me com entusiasmo. E manda servir-me cajuína. Está ligeiramente obesa, sempre comunicativa.
- Terto Filho – É forte, atarracado. Barbudo. Lembra um afiliado do PT, mas é filiado ao PPR. Malufista. Coligado com o PFL. E pela coligação disputa a Prefeitura de Corrente., com boas possibilidades de êxito eleitoral, segundo ele. Tem o apoio Gesy Lemos, de João de Barros (ex-prefeitos), e de outros líderes políticos locais. Estudava em Brasília (DF), quando seu pai faleceu. Então, a mãe o chamou de volta a Corrente, e ele veio cuidar dos negócios da família. Hoje, é fazendeiro próspero com tuação na agricultura moderna; mas suas máquinas prestam serviços a teraceairos, inclusive a Prefeituras, no patrolamento de estradas. Sua companheira de chapa é a Dinorah, pelo PFL, ex-vereadora. Ele nunca disputou cargo eletivo, e, agora, está empolgado com a idéia de vir a ser o Prefeito de sua cidade. O Firmamento – Céu estrelado, mas o firmamento é de um negror profundo, prenunciando chuva em profusão.
- Céu estrelado, mas o firmamento é de um negro profundo.
- “Hotel Rimo” - Foi construído na gestão de Jesualdo Cavalcanti, Secretário Estadual de Cultura, Desporto e Turismo, sendo Prefeito de Corrente Gesy Lemos Paraguassu. É mais bonito que confortável. Um belo cartão de visita da cidade.
N.B. Início da Lua Nova.
Dia 16, terça-feira. Vamos, logo após as 19,00-h, ao Instituto Batista Industrial, onde fiz o Exame de Admissão, de que tenho agradáveis lembranças. Ali, fui examinado Prof ª Esther Guerra. Conversamos com Ivanilde, que foi Tesoureira da notável instituição, criada pela Missão Norte-Americana. Logo após, vamos à nova sede, com amparo no Salão Nobre. Deixo-lhe meu livro “Direito Penal e Direito de Execução Penal”, mais tarde dividido em Direito Procedimental e Direito de Execução Penal para a Biblioteca da Instituição. Ela me oferece o Estatuto da “Associação dos Ex-Alunos do Instituto Batista Correntino”, de 1994, de que é presidente o Dr. Elpídio Araújo Neres, presidente, em Brasília (DF). Faço o trajeto, na Alameda que, outrora era a entrada principal. Um belo dossel. Em seguida, retornamos à cidade. Jesiel, o guia, volta conosco, e nos leva à Farmácia do Dr.Misael Guerra, onde adquiro o telefone da Profª Esther Guerra, que hoje, reside em Brasília, Guará I. De lá, vamos à Igreja católica, reedificada depois que eu saí de Corrente. Na reedificação, a fachada principal ficou voltada para o Norte, ao contrário do Sul, como acontecia, primitivamente. Lá encontro Frei Adônis, Mercedári compro o “Catecismo da Igreja Católica”, da Editora Vozes. Gravo a entrevista. Frei Adônis vai conosco (comigo e Abadia ao carro, sob o pretexto de conhecer nossos filhos. Faço uma prece, na Igreja. E retornamos ao hotel, para o almoço. Após a sesta, vamos comprar chocolates, a pedido de Renatinha. Aproveito para filmar o Colégio São José, que se chamava Colégio Imaculada Conceição, ou o Colégio das Freiras, ou a Casa Paroquial, ao lado do Colégio; e, também, a passarela sobre o Rio Corrente, e as lavadeiras que lavam roupa na margem oposta . Nesse Rio, me banhei muitas vezes, nos anos quarenta, precisamente, 1949, quando eu era o coroinha do Padre Anchieta, o pároco da Freguesia. Morei na Casa Paroquial durante um ano - o ano de 1949, quando coroinha. E no Colégio ‘Imaculada Conceição’, quando fiz o 5º ano do Curso Primário.
- Após o banho, o jantar: Frango ao molho pardo, filé, arroz e salada. E depois do ‘Jornal Nacional’, a novela ‘O Rei do Gado’, que é o maior sucesso do momento.
- Licínio Jr. sai, com o Walter. Volta ao hotel e retorna à cidade. Foi curtir o Gostosão, bar de música ao vivo.
- No hotel, encontro Ceres, minha contemporânea do Instituto Batista Industrial. Filha de Augusto Paranaguá. Casou-se com um americano, separou-se, e não teve filhos. Mora na fazenda “Branquinha”, nas cercanias de Corrente, zona urbana, embora tenha casa na cidade. Seu irmão Dalton foi Prefeito de Londrina, Paraná. Ceres morou nos Estados Unidos durante vários anos. Depois, voltou ao Brasil, fixando-se em Corrente, donde nunca mais saiu até aquela época.
- João (de) Barros, filho de Sebastião Barros e Dona Iracema vem ao hotel. Foi Prefeito da cidade. Consta que foi um bom Prefeito.
Soube que Você apoia o Terto, comento. Todo candidato cumpre o ofício de investir, retruca. E prossegue: - Vou votar em branco. Nenhum desses candidatos presta.
João pouco se demora.
- À noite, “O Rei do Gado”, é a coqueluche das televisões, em todo o país.
- Licínio Júnior volta logo depois da meia-noite. Ele está empolgado com a cidade interiorana, e já se manifestou em ficar na cidade por mais um dia. Principalmente hoje, que vai contar com a abertura da Exposição Agropecuária. Mas não é possível, pois precisamos chegar ao destino, “Palmeira do Piauí”.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail liciniobarbo[email protected])