O fogo consumiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, como o último lampejo de um fim previsível. Com o fogo, também foram milhares de documentos, peças históricas, arqueológicas, pesquisas, arte e memória. 200 anos, mais de 20 milhões de peças, que incluía o crânio de Luzia, fóssil mais antigo das Américas, foram convertidos em pó, como tem ocorrido com os espaços de cultura, e a própria cultura, em todo o território brasileiro.
O Museu Nacional já havia fechado suas portas para visitação em 2015, por falta de manutenção. Agora vê suas portas e teto abertos pelas chamas, que chama a atenção, comove alguns, mas dificilmente alterará um fato que soa como ruído branco aos ouvidos já surdos de uma nação: a cultura arde. Arde pelo fogo que destruiu o Museu da Língua Portuguesa, o Museu Nacional e alguns outros espaços da própria UFRJ, instituição de vínculo do Museu Nacional. Arde pelas chamas do esquecimento, consumindo a história, o presente e o futuro identitário de um Brasil pouco afeito a espelhos, porque as janelas parecem mostrar paisagens mais interessantes, embora saibamos que nossos bosques têm mais vida, e aqui há gorjeios que não existem lá. Arde pelas predileções de políticas públicas aos novos palácios, deixando a história e a cultura perecerem sob a poeira do descaso e pelo fogo das vaidades, das urdiduras e conluios, do pensamento do salve-se quem puder.
Enquanto Medelin, na Colômbia, se reinventou a partir da cultura, o Brasil implode, deixando em ruínas sua cultura, com batimentos insuspeitos de seu pulsar fragilizado. Nosso coma social apenas faz ver o modus operandi de caos insuspeito, sustentado pela lógica abdutiva de um povo que se comove sem aprender a lição, que chora pelo cadáver, mas não medica seus outros moribundos, que faz vaquinha para reconstruir o que foi perdido, quando não se importou em deixar perder.
Nosso infortúnio talvez não seja o consumo, pelo fogo, de 200 anos de história e pesquisa, mas de 500 anos de ausência de planejamento, de responsabilidade e compromisso com o social. A UFRJ, tal qual várias outras Universidades Federais e Estaduais, encontra-se em situação de penúria, enquanto os temas de educação e cultura são recorrentes nos discursos insonsos dos candidatos de plantão, que já estiveram tantas vezes despachando sem atentar para tais temas, visto que não geram caixa 2 ou propina.
O fogo do Museu Nacional escancara nossa falta de perspectiva para o país, o mesmo que gastou mais de um bilhão de reais com uma intervenção militar que não alterou as estatísticas ruins do estado fluminense em crise; que gasta mais de 1,7 bilhão de reais para as campanhas eleitorais, mas permite que pessoas morram sem atendimento médico, que museus queimem sem um sistema de alarme de incêndio, que o ensino médio agonize pela falta de aderência com a realidade em que vivemos.
Nosso incêndio faz arder o presente, levando pelos ares as cinzas do nosso passado e do nosso futuro. Já não temos um Museu Nacional e sua ilustre e pouco conhecida coleção - por isso muitos não se sentirão afetados. O incêndio, de fato, é um último lampejo de um fim previsível, ocasionado pelo descaso que brilha com a intensidade das labaredas que aumentam de dimensão e intensidade, mas que deixam como rastro apenas a destruição e a sensação de impotência frente ao pensamento que opera nos gabinetes - que trabalha intensamente nas campanhas, mas descansa em berço esplêndido nos mandatos -, casas - que constroem muros e grades, defendendo-se das cidades - e escolas - cujos índices de eficiência são vergonhosos, mas qualquer mudança é contestada antes mesmo de compreender que precisamos mudar.
(Cleomar Rocha, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura Municipal de Aparecida de Goiânia @cleomarrocha PPG Arte e Cultura Visual | FAV | UFG - professor Media Lab BR - coordenador pesquisador PQ CNPq www.medialab.ufg.br)