As relações entre o museu e o mundo sempre afetaram a sensibilidade humana, desde domingo, essa afetação se intensificou. Diante de um país em chamas, com um acervo imensurável de peças e documentos incinerados, o museu brada e conclama pela sua perpetuação.
Enquanto o futuro é imaginação, o passado desliza em nossas memórias, e seguimos tentando preencher nossas narrativas passadas, tornando-as inabaláveis no decorrer da passagem do tempo. Os museus contribuem enquanto guardiões do passado social e seguem na contramão das marcas e consequências do curso temporal. E, enquanto sujeitos nesse processo, somos afetados por esse enredo temporal, apropriando-se de um espaço neste mundo, diante de todas as fases temporais.
E agora? É imensurável a tragédia cultural e científica que nos assola, com a colossal perda patrimonial do Museu Nacional do Rio. Nossa nação, na Semana da Pátria, está predestinada a um país em amnésia, sem registros de grande parte de nossa história, pesquisa e conhecimento científico, que germinavam uma girândola de intervenções sensoriais, cognitivas e afetivas, expressando as perspectivas do museu em sua configuração.
Isso porque os museus são janelas, portas e portais; elos poéticos entre a memória e o esquecimento, entre o eu e o outro; elos políticos entre o sim e o não, entre o indivíduo e a sociedade. Tudo o que é humano tem espaço nos museus. Eles são bons para exercitar pensamentos, tocar afetos, estimular ações, inspirações e intuições.
A memória tem papel preponderante à questão no campo da cultura contemporânea e nesse processo de evolução contínua, os museus, que poderiam ser considerados extensão da nossa memória na sociedade histórica, vem sendo dissipados.
Como colmatar as falhas da memória por séculos de história esvanecidos? Quais afetos se inscreverão e habitarão o inconsciente da memória humana coletiva da cultura brasileira sem um diálogo com o maior acervo de história natural da América Latina?
A cultura arde com a sobreposição da amnésia em detrimento à memória, não oportunizando a articulação real entre os tempos passado, presente e futuro.
(Olira Rodrigues, professora, doutora da Universidade Estadual de Goiás - UEG)