O PSDB foi fundado por homens dignos. Homens que encaneceram na luta contra a ditadura militar, que denunciavam o caráter concentrador de renda, excludente, e desnacionalizante do regime imposto à nação em l964. Destaco a figura veneranda de André Franco Montoro, egresso da Democracia Cristã, grande defensor dos direitos trabalhistas, democrata intransigente, grande governador de São Paulo.
Como esquecer Mário Covas? Valente, o grande defensor do mandato de Márcio Moreira Alves, estrela fulgurante do MDB autêntico. A parte combativa do velho MDB foi em bloco para o Partido da Social Democracia Brasileira. Homens honrados, apesar de antiga militância conservadora, também aderiram à sigla. Lembro-me do calejado udenista Afonso Arinos, em idade crepuscular, explicando porque filiava-se a um partido “de esquerda”. Respondeu: “Cansei-me de lutar contra o povo”.
O novo partido recebia a adesão de intelectuais progressistas, comprometidos com os grandes interesses da nacionalidade, como Bresser Pereira, Chico Welfort, e até comunistas que participaram da luta armada, como Aluísio Nunes. Teotônio Vilela, Dante Oliveira, José Serra e Fernando Henrique Cardoso – todos eles protagonistas das grandes lutas pela restauração da democracia.
Em Goiás, O PSDB nascia pelas mãos de Kleber Adorno, de Santillo e e seus discípulos, e até de gente vinda do PT que aspiravam a uma militância esquerdista moderada, sem sectarismos.
Apesar de ter nascido em São Paulo como reação à hegemonia do quercismo sobre o PMDB, a nova sigla pretendia preencher uma lacuna do espectro ideológico brasileiro: a centro-esquerda. Um partido assumidamente reformista e comprometido com a democracia. Uma alternativa entre as posições extremadas dos PCs e o trabalhismo caudilhesco e um tanto retrógrado de Leonel Brizola.
No plano programático, PT e PSDB guardavam incríveis semelhanças, inusitadas afinidades.
De fato, PT e PSDB atuaram na Constituinte como frente progressista, e foram os responsáveis pelos avanços consagrados na Carta de l988. Mas o PT nasceu no chão das fábricas, nos salões paroquiais das CEBs, e nos sucedâneos dos antigos movimentos camponeses. Já o PSDB nascia nos gabinetes de intelectuais requintados e nos salões elegantes de políticos assomados de remorso social. Era fatal que se separassem e se tornassem adversários preferenciais. O PSDB nunca deixou de ser um partido elitista, enquanto o PT caminhou cada vez mais para se tornar uma agremiação popular. Enquanto o PSDB fumava cachimbo e bebia uisque, o PT pitava mata rato e bebia cachaça.
O distanciamento entre as duas agremiações começou no plano político e evolui para o ideológico. Ambos estiveram na oposição a Collor e ambos lutaram para derrubá-lo. Mas o PSDB ficou com Itamar Franco e participou do governo dele. O PT optou por ficar fora, conquanto praticasse um oposicionismo gentil, quase formal.
Lula disputou contra FHC a presidência da República e perdeu. Quatro anos depois, enfrentou FHC e perdeu. Venceu por fim em 2002 e segue, até hoje, o político mais popular do Brasil. Elegeu duas vezes Dilma Roussef e, se fosse candidato, venceria com folga este ano. O PT, segundo as pesquisas de opinião, é o partido mais querido dos brasileiros.
O PSDB reduziu-se hoje a um partido amado pelo stablishement e odiado à esquerda pelo povo e à direita pela ralé. Seu candidato à presidência da república, Geraldo Alkmim, perdeu-se na irrelevância eleitoral, apesar de possuir o maior tempo de televisão. Em Goiás, seu candidato, o sr, José Eliton, atual governador do estado, será derrotado ainda no primeiro turno por Ronaldo Caiado.
O PSDB é, hoje, um partido falido política, ideológica e eleitoralmente. É considerado um partido de direita e defende os interesses do capital financeiro nacional e internacional, adotou a agenda neo-liberal de desmonte do estado nacional brasileiro fundado por Getúlio (e que nem os militares ousaram desconstituir), e alia-se a setores francamente reacionários da política partidária. Tem como candidata vice-presidente a senadora Ana Amélia, uma espécie de Bolsonaro de saia, musa da direita fascistoide no Congresso.
O PSDB, através de Aécio Neves, um mal perdedor e atolado em escândalos de corrupção, promoveu o golpe parlamentar que derrubou Dilma Roussef, patrocinou os arruaceiros de rua, tipo MBL, que introduziram a intolerância e o ódio na politica brasileira. O PSDB de hoje é o exato oposto daquele que foi fundado por Covas e Montoro. Uma perfeita ilustração das doutrinas hegelianas da transmutação do ser no não-ser.
A maior evidência da falência tucana é a emergência de Bolsonaro. Um político suburbano, francamente reacionário e com um projeto confuso de poder, mas com um discurso moralista, tomou dos tucanos o espaço que eles acreditavam ter conquistado: a representação da pequena burguesia conservadora e submissa aos interesses do capital financeiro vadio. Apesar de toda proteção e de toda bajulação da grande imprensa nacional, abertamente anti-petista e antinacionalista, o PSDB e toda sua retórica liberalóide, modernosa e sofisticada, caiu no desagrado da população em geral. É o partido de uma minoria que controla a riqueza do país, mas não controla o voto, perdeu a estima do eleitor, porque rema obstinadamente contra a a maré do sentimento nacional.
Ao aliar-se ao PFL sob FHC, o partido dos tucanos não tentaram fazer com que os liberais conservadores avançassem. Pelo contrário. O PSDB tornou-se mais conservador e mais liberal do que o PFL, hoje DEM. Trocou o reformismo social, as teses da moderna social-democracia por chavões relativos a “gestão eficiente”, “ajuste fiscal”, “responsabilidade fiscal”, “metas de inflação”, “autonomia das agências reguladoras”, e partiu para a privatização de valiosos ativos, alienados na bacia das almas, com os adquirentes pagando em em moedas podres e financiamento camaradas do BNDES. Sob FHC, voltamos ao FMI, reduzimos a quase zero nossas reservas internacionais e inflação de dois dígitos. Não por acaso, um dos principais economistas do PSDB, Bresser Pereira, fiel aos princípios fundantes da sigla, deixou o partido e, hoje, está politicamente próximo do PT e dos nacional desenvolvimentistas.
O PSDB está a um passo de virar item no Museu dos Partidos Brasileiro. No próximo artigo, falarei da falência do PSDB goiano. Se gostou, deixe o seu like.
(Helvécio Cardoso da Silva, jornalista)