Não se entende, por pobreza, ter ou não ter dinheiro, ter ou não ter piolhos no próprio corpo. A pobreza não é uma coisa material: é uma bem aventurança, "Bem-aventurados os pobres de espírito". É uma maneira de existir, de pensar e de amar. É um dom do espírito. Pobreza quer dizer desapego, liberdade, verdade sobretudo.
Entrai nas casas burguesas, ainda que cristãs, e convencer-vos-ei da ausência da bem-aventurança da pobreza. Os móveis, os objetos, tudo, são espantosamente semelhantes em todas as casas; são determinados pela moda, pelo luxo, e não pela necessidade, pela verdade. Havia urna velha mesa, resistente, cômoda, rica de lembranças. Mas foi necessário colocá-la no porão e substituí-la inutilmente por outra que possui somente pretensões, destituída de sentido, cujo mérito será de levar o amigo a comentar: "É da moda". Essa falta de liberdade, ou antes, essa escravidão da moda é um dos demônios que conserva prisioneiros grande número de cristãos. Quanto dinheiro se sacrifica em seu altar! Isto sem escrúpulo algum pelo bem que se teria podido fazer. Ser pobre de espírito quer dizer liberdade e, em primeiro lugar, ser livre daquilo que se denomina moda.
Por que adquirir um cobertor só porque está na moda? Adquiro um cobertor porque preciso dele. Sem cobertor meu filho treme de frio. O pão, o cobertor, a mesa, o fogo, são coisas necessárias. O fato de nos servirmos delas está de acordo com a vontade de Deus. "Todo o restante provém do maligno", poder-se-ia afirmar, parafraseando uma expressão de Jesus a propósito da verdade. O "restante" nada mais é que a moda, o costume, o luxo, a fartura, a riqueza, a escravidão, o mundo. Não se procura o que é verdadeiro, mas o que agrada aos outros. Esta máscara torna-se necessária: sem ela não se pode mais viver. Tudo se agrava, porém, quando se trata de "estilo", e os gastos se tornam astronômicos. "Isto é um Luís XIV..., este outro um barroco puro..., aquele... etc., etc! Pior ainda quando a preocupação de "estilo" penetra na casa dos homens da Igreja, chamados por vocação a evangelizar as pobres.
A pobreza, porém, enquanto bem-aventurança, não é somente verdade, liberdade e justiça; é e continua a ser amor infinito como as perfeições divinas. Pobreza é amor a Cristo pobre, isto é, a aceitação de um limite. Jesus podia muito bem ser rico; não precisava estabelecer limites aos próprios desejos. Quis, pelo contrário, ser pobre, para participar da limitação universal dos pobres, para suportar a falta de alguma coisa e experimentar na própria carne, a penosa realidade que pesa sobre o homem que está à procura do pão, e no próprio espírito, a instabilidade continua de quem nada possui. A verdadeira bem-aventurança, da qual o Evangelho fala, consiste nessa pobreza autêntica, suportada por amor.
É demasiado fácil falar de pobreza espiritual, expressar-se com palavras pias e não sentir a falta de nada, possuindo casa própria, a despensa bem abastecida e depósitos no banco. Não nos queiramos iludir e não invertamos as coisas mais importantes que Jesus disse. Pobreza é pobreza, e continua a ser pobreza; não basta fazer o voto de pobreza para ser pobre de espírito. Se amo deveras, como poderei suportar que um terço da humanidade se encontre sob a ameaça de perecer à fome, ao passo que eu conservo toda a minha segurança e estabilidade econômica? ,Agindo desta forma, poderei ser um bom cristão, mas não um santo. E em nossos tempos alastra-se a inflação de bons cristãos, ao passo que o mundo necessita de santos.
Saber aceitar a instabilidade, colocar-se, de quando em quando, nas condições de ter que dizer "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" com certa ânsia, devido ao fato de que a nossa despensa se encontra vazia; ter a coragem de dar sem medida, por amor de Deus e do próximo e, sobretudo, conservar aberta, no pobre céu de nossa alma, a grande janela da fé viva na Providência de um Deus onipotente: eis o que é necessário.
(Luiz Augusto, padre da Paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus)