Talvez você esteja lendo esse artigo porque acabou de adquirir aquele carro novinho só porque ele estava com um preço mais em conta. E, aproveitando o assunto, permita-me perguntar se você já comprou pelo desejo e não pela necessidade. Alguma vez realizou aquela compra estimulada (o) pelo impulso e pela ansiedade?
Pois é, milhares de brasileiros responderam positivamente às perguntas acima – pelo menos uma vez na vida. Tais hábitos de adquirir produtos e serviços sem precisar deles, conduz ao endividamento e descontrole - daí surge a necessidade de se socorrer nos empréstimos bancários de instituições que oferecem créditos a juros aparentemente razoáveis e legais.
Ocorre que, após fazer o empréstimo, muitas vezes o consumidor não consegue honrar os pagamentos, sofrendo cobranças decorrente do inadimplemento e até negativação de seu nome em cadastros de serviços de proteção ao crédito.
E é ai, que ao tentar renegociar o financiamento e buscar um especialista em contratos é que o consumidor descobre as famosas cláusulas abusivas no financiamento, com cobranças de taxas, juros e serviços inseridas no ato da contratação, que culminou em um financiamento impagável, necessitando então, de uma ação revisional com intuito de, judicialmente afastar tais cláusulas de modo a deixar o contrato mais equânime e justo. Surge então o fantasma da Busca e Apreensão de Veículos!
Ao menos uma vez na vida, você viu ou ouviu falar de alguém que perdeu seu carro para o banco – e quão constrangedor foi. Muitos advogados dizem que, “depois que perdeu o carro para o banco, não dá para pegar de volta”. Sinto informar aos colegas advogados que isso é lenda: muitos processos de busca e apreensão já nascem viciados pela ausência da constituição da Mora (notificação acerca da ausência de pagamento) nos termos legais, conforme diversas notificações extrajudiciais que as Instituições Bancárias alegam ser válidas e regulares para a constituição da mora, porém não comprovam que o contratante do empréstimo bancário fora devidamente notificado e constituído da mora.
Em entendimento contrário ao dessas Instituições Bancárias, assim já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
Agravo de instrumento. Ação de busca e apreensão pelo decreto-lei nº 911/69. Parcelas pagas antes do ajuizamento da ação. Mora não comprovada. Devolução do veículo à agravante. Cominação de multa diária em caso de inércia. Efeito translativo. Extinção do processo sem resolução de mérito. Litigância de má-fé afastada. Ônus processuais. Custas e honorários advocatícios. 1. Para a concessão da busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a mora deve estar efetivamente demonstrada, o que não ocorreu no caso, uma vez que antes da propositura da ação a parcela que ensejou a ação já estava devidamente quitada pela contratante. 2. Constatada a não comprovação da mora do devedor, deve ser extinta a ação de busca e apreensão, sem resolução de mérito, pela ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, nos termos do artigo 485, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil, levando em conta a possibilidade de efetivação, ao caso, do efeito translativo do recurso, devendo o Banco/agravado proceder com a devolução do veículo apreendido à agravante, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a 30 dias, em caso de descumprimento. 3. Inexistindo no feito elemento probante da prática pelo autor da ação, de litigância de má-fé, art. 80, NCPC, não merece prosperar o pleito da agravante de imposição das sanções inerentes. 4. Diante do princípio da causalidade, deve o autor/agravado arcar com a integralidade das custas processuais e em honorários advocatícios, estes no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, §2º do CPC. Recurso Conhecido e Parcialmente Provido. (TJGO, Agravo de Instrumento ( CPC ) 5468158-38.2017.8.09.0000, Rel. Maria das Graças Carneiro Requi, 1ª Câmara Cível, julgado em 18/04/2018, DJe de 18/04/2018)
Você conhecia esse julgado? Pois é: demonstro de forma que a Mora, objeto indispensável para se requerer a Busca e Apreensão não sendo legitimada de forma a ensejar a manutenção e desenvolvimento processual das natimortas ações intentadas pelos Bancos.
Não há de se considerar válida a notificação emitida pelas Instituições Bancárias, e em consequência, as sentenças prolatadas nesse sentido são totalmente elaboradas em desconformidade com o que a Legislação vigente preconiza. Sem comprovação inequívoca da mora, não há como expropriar um cidadão de seu bem.
Ao deixar de comprovar que o contratante foi devidamente notificado e que a mora foi constituída, macula a Instituição Bancária o bom andamento processual, sendo que com isto induz em erro o Magistrado de Primeiro Grau, bem como causa ao Consumidor prejuízo de grande monta, visto que tem seu bem expropriado.
A exigência de que a notificação para constituição da mora seja feita via Notificação Extrajudicial - e que se comprove que o notificado a recebeu -, tem a finalidade de dar validade ao ato e legitimidade a propositura da ação - mesmo que não se encontre o devedor. Nesta esteira, o Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás emanou os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
Agravo de Instrumento. Ação de Busca e Apreensão. Notificação Extrajudicial. Certidão do Oficial do Cartório de Títulos e Documentos. Mudança de Endereço. Ausência de Intimação por Edital. Efeito Translativo. Extinção do Processo, Sem Julgamento do Mérito. Honorários Advocatícios de Sucumbência. Inversão. 1. Tendo sido a notificação extrajudicial encaminhada ao endereço fornecido no contrato e o aviso de Recebimento devolvido com a informação de que a devedora ‘mudou-se’, caberia ao Credor, ora agravado, promover a notificação extrajudicial Editalícia antes de propor a ação de busca e apreensão. 2. A constituição em mora é imprescindível para a propositura da ação de busca e apreensão, pois se trata de pressuposto processual indispensável. Ausente tal comprovação, a extinção do processo, sem resolução do mérito, é medida que se impõe. 3. Nos termos do § 3º do artigo 485 do Código de Processo Civil/2015, pode o Tribunal aplicar o efeito translativo aos recursos, em sede de Agravo de Instrumento, extinguindo diretamente a ação de origem. 4. Sucumbente o Banco Agravado, na ação de busca e apreensão, ele deve arcar com a integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, de acordo com o disposto no artigo 85, § 2º, do NCPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 254094-29.2016.8.09.0000, Rel. DES. FRANCISCO VILDON JOSE VALENTE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 26/01/2017, DJe 2203 de 03/02/2017).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ENTREGA DE NOTIFICAÇÃO NO ENDEREÇO DO DEVEDOR CONSTANTE NO CONTRATO. MORA NÃO DEMONSTRADA. Diante da ausência de documento comprobatório do recebimento da notificação extrajudicial encaminhada via Correios ao inadimplente, deve ser concebida como inválida para constitui-lo em mora, estando, portanto, correta a sentença que indeferiu a inicial e extinguiu o feito sem resolução de mérito. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, APELAÇÃO CIVEL 252966-86.2015.8.09.0168, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 06/12/2016, DJe 2169 de 15/12/2016)
Apelação cível. Ação de busca e apreensão pelo dec.-lei 911/69. Notificação extrajudicial. Constituição em mora. Mudança de endereço. Intimação por edital. Ausência. Irregularidade. 1. Tendo sido a notificação extrajudicial encaminhada ao endereço fornecido no contrato e o aviso de Recebimento devolvido com a informação de que o devedor “mudou-se”, caberia ao Apelante/A. promover a notificação extrajudicial Editalícia e não propor, diretamente, a ação de busca e apreensão, vez que a comprovação da mora é indispensável. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, APELACAO CIVEL 278690-93.2015.8.09.0006, Rel. DES. OLAVO JUNQUEIRA DE ANDRADE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 20/10/2016, DJe 2140 de 31/10/2016)
Agravo de instrumento. Ação de busca e apreensão. Constituição em mora. Ausência. Mudança de endereço. Notificação por edital. Ausência. 1. Para a constituição do devedor em mora, imprescindível a comprovação do encaminhamento e do efetivo recebimento da notificação de mora no endereço constante no contrato de crédito firmado. 2. A devolução do “AR” enviado ao devedor, sob o argumento de que o mesmo se mudou de endereço, não produz efeitos para fins de comprovação da mora, mormente, se não demonstrada a notificação extrajudicial Editalícia; hipótese dos autos. 3. Não configurada a regularidade de constituição em mora na ação de busca e apreensão, escorreita a extinção do feito, sem julgamento do mérito. Agravo de instrumento conhecido e provido. Decisão reformada, para extinguir a ação de busca e apreensão, sem resolução do mérito. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 216758-88.2016.8.09.0000, Rel. DES. OLAVO JUNQUEIRA DE ANDRADE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 29/09/2016, dje 2127 de 07/10/2016).
Agravo interno no agravo de instrumento. Decisão liminar. Indeferimento do benefício da assistência judiciária. Necessidade da concessão do efeito suspensivo ao recurso. 1. Impõe-se o provimento do agravo interno interposto contra decisão do relator que indeferiu a concessão do efeito suspensivo ao recurso, sob a fundamentação de que restou demonstrado nos autos os requisitos autorizadores para a concessão da medida. 2. Trouxe o agravante, argumentação fático-jurídica, com força bastante a alteração do convencimento lançado na decisão agravada. Recurso conhecido e provido. (tjgo, agravo de instrumento (cpc) 5039562-12.2017.8.09.0000, rel. Norival de castro santomé, 6ª câmara cível, julgado em 18/09/2017, dje de 18/09/2017)
Não se pode, em momento algum, cometer erros no tramite processual, pois as consequências poderão ser devastadoras. Caso isso tenha ocorrido com você, procure um advogado e busque junto aos Magnânimos Julgadores uma solução para seu problema, no caso, a reforma da sentença e que desta reforma seja restaurado o seu direito ao devido processo legal, que lhe foi brutalmente negado com os erros apontados - e que possa, de uma vez por todas, resolver as questões suscitadas no Processo cuja sentença deve ser atacada.
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(Karina Bueno Timachi, advogada no partido MDB, presta assessoria jurídica para a dupla sertaneja Cleverson e Rodrigo, secretária geral da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, secretária adjunta da Comissão de Direito Criminal na empresa OAB-GO. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/GO e da Comissão de Direito de Família e Sucessões na empresa OAB-GO; presidente fundadora da AMU VIDA - Associação Nacional das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica na empresa AMU VIDA - Associação Nacional das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Presidente Fundadora da ABRA FAMA - Associação Brasileira de Direito de Família, Sucessões e Cível na empresa ABRA FAMA - Associação Brasileira de Direito de Família, Sucessões e Cível)