Bem em frente aos dois prédios da alta cúpula da Google, há uma escultura de uns 2 metros de altura, sobre a qual paira uma lenda advinda dos dois fundadores:
– Vocês estão vendo o esqueleto deste dinossauro? Pois bem, ele foi grandalhão, um dos mais ferozes do planeta e o dominava. E o que aconteceu? Desapareceu!
A mensagem é óbvia: não basta ser grande, temido e líder. É preciso se adaptar às mudanças, ser um darwinista.
Durante oito dias, integrei uma missão oficial ao Vale do Silício, na qual visitamos nove empresas, incluindo a Universidade de Stanford, na companhia de 32 gestores educacionais, bem mais jovens do que eu. Entrar nesse ambiente altamente tecnológico foi um intenso desafio pessoal, pois toda minha formação acadêmica foi estritamente analógica (réguas de cálculo, tábuas logarítmicas e trigonométricas, estojo para desenhar a nanquim), por isso é elevado meu esforço, atualmente, para acompanhar os jovens digitais num ambiente corporativo.
San José é a “capital” dessa região formada por cerca de 20 pequenos municípios. No início do século passado, era inóspita e rural. E, diante desse ecossistema extremamente digital e inovador de hoje, inevitavelmente se questiona: que fatores levaram essa extensão de terra a se tornar uma meca da tecnologia? Certamente, os mais fortes foram os incentivos fiscais dos municípios e uma Stanford acolhedora de projetos das pequenas indústrias, a partir da década de 1930, para o desenvolvimento e produção de circuitos integrados e transistores, impulsionadas pelas extraordinárias demandas desses eletrônicos pelo exército e pela marinha norte americana, Nasa e grandes indústrias.
Nas várias palestras e reuniões das quais participamos, entre os temas mais recorrentes estavam a inteligência artificial (AI) e o Machine Learning (aprendizado das máquinas). Na sede da Google, foi sinalizado o que causaria frisson em todo o mundo na semana seguinte: conversas gravadas de um robô com humanos. Trata-se do assistente digital Google Duplex – em linguagem técnica, denominado chat bot (robô de conversação).
Inicialmente, o robô ligou para uma cabelereira e estabeleceu um diálogo completo para o agendamento de um horário. Em outro momento, telefonou para um gerente de restaurante para reservar uma mesa. Em ambos os casos, o interessante é que, diante de obstáculos – como a indisponibilidade de horário ou limitações de lugares –, o robozinho propôs alternativas, inclusive simulando hesitações em linguagem próprias de humanos, como “hum...”, “hãn...” e “deixa eu ver”. Surpreendentemente, nem a cabelereira nem o gerente do restaurante suspeitaram que do outro lado da linha houvesse uma máquina.
A bem da verdade, estamos no limiar do Teste de Turing sobre a inteligência artificial – quando uma máquina conversa a distância com um humano, sem que este perceba. Alan Turing (1920-1954), matemático inglês, foi criador do primeiro modelo de um computador e se notabilizou por decodificar o Enigma, engenhosa máquina criptografada com códigos secretos nazistas.
A big data foi outro tema recorrente nas palestras. Evgeny Morozov, um bielorrusso de apenas 34 anos, professor de Stanford, publicou vários livros e artigos sobre o tema e é efusivo em referência à mineração de dados: “Do mesmo modo que no século XX a economia foi dominada pelo petróleo, o século XXI será movido pelo big data”.
Todavia, naquela atmosfera em que se respiram bits e bytes, há quase paradoxalmente uma manifesta cultura de ênfase aos valores humanos, socioemocionais e éticos. Os avanços tecnológicos são imprescindíveis, mas só se justificam se estiverem a serviço do bem-estar do ser humano – dizem eles. Os que lá trabalham querem deixar um legado para as próximas gerações. Obviamente, não podemos posar de ingênuos diante dos discursos – entre falar e praticar há no meio um mar, ensina a sabedoria popular. Entretanto, o Vale do Silício, além de ser a região mais rica e de menor índice de criminalidade dos EUA, é também onde os profissionais são mais felizes para trabalhar, segundo pesquisas. Apresentam-se como pessoas satisfeitas e de bem com a vida. Talvez, quanto mais tecnológica é uma comunidade, mais clama por afetividade.
Ao leitor atento, resta uma indagação, uma vez que o título desse artigo faz referência a dois dinossauros, porém o texto só menciona um (o esqueleto em frente a Google). Diante de tudo o que vi, ouvi e vivenciei na imersão no Vale do Silício, a resposta para mim é ao mesmo tempo trivial e assustadora. Além do esqueleto em frente ao prédio, o outro dinossauro era eu.
(Jacir J. Venturi, coordenador na Universidade Positivo, foi professor da UFPR, PUCPR e vice-presidente da ACP)