O ilustre Juiz de Direito Dr. Marcus Vinicius Ayres Barreto, diretor do fórum de Catalão, está empenhado na instalação da galeria de fotos de todos os magistrados que exercitaram o nobre ofício na comarca, cuja existência remonta aos meados do século XIX (1851), a qual, em 1856, com a denominação de Comarca do Rio Paranaíba, abrangia uma grande extensão, incluindo Ipameri (antiga “Entre Rios”), Santa Cruz e Caldas Novas.
É uma importante iniciativa a merecer o apoio da associação da classe (ASMEGO) e de todos os familiares de juízes que passaram pela comarca, muitos deles com grande projeção no cenário cultural do Estado e do País.
Devido ao longo tempo passado, não será fácil reunir todas as fotografias, até porque, infelizmente, não se poderá contar com a boa vontade e interesse de muitos, mas a galeria poderá ser instalada, com observância da ordem de antiguidade dos primeiros juízes, até mesmo com espaços em branco referindo-se aos seus nomes, porquanto foram verdadeiros heróis numa época de tão difícil acesso à localidade, onde tudo era inóspito.
O primeiro juiz nomeado, Dr. Afonso Cordeiro Lobato, não deve figurar na galeria porque não assumiu o cargo. Assim sendo, o primeiro realmente a exercer o ofício foi Dr. BERNARDO JOAQUIM DA SILVA GUIMARÃES (1852), na qualidade de Juiz Municipal. O segundo foi Dr. EMILIANO FAGUNDES VARELA, como Juiz de Direito da comarca (1854); o terceiro, Dr. MANOEL DE OLIVEIRA CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE (1856), Juiz Municipal; quarto, Dr. JOÃO INÁCIO DA SILVA MOTA (1856), Juiz de Direito com exercício iniciado após a investidura do Dr. Cavalcante; quinto, Dr. VIRGÍNIO HENRIQUE COSTA (1858), Juiz de Direito, e o sexto foi o Juiz Municipal Dr. JERÔNIMO JOSÉ DE CAMPOS FLEURY CURADO (1860).
O Dr. Emiliano, pai do famoso poeta Luís Nicolau Fagundes Varela, veio para Catalão, na companhia do filho, em penosa viagem pelo sertão, enfrentando chuvas e dias de sol a pino, em lombo de burro, dormindo ao relento e em casebres abandonados. Permaneceu pouco tempo na cidade e logo se licenciou do cargo.
O Dr. Cavalcante, recém casado com D. Inácia, veio de Pernambuco, em companhia desta e de escravos libertos, com rápida passagem pelo Rio de Janeiro, também enfrentando penosa viagem, para permanecer definitivamente em Catalão, onde foi juiz, em dois períodos somando quase 15 anos de atividade, advogado, vereador e delegado de polícia. De seu matrimônio resultou o nascimento de 12 filhos.
O Dr. Virgínio, contemporâneo do Dr. Cavalcante na Faculdade de Direito de Olinda-PE, foi o mais culto dos primeiros juízes da comarca. Era natural da Bahia.
O Dr. Jerônimo foi o único dos primeiros magistrados de Catalão que ascendeu ao Tribunal de Justiça do Estado como Desembargador.
O juiz municipal, com nomeação temporária, tinha toda a autonomia funcional na sede da comarca e substituía o titular desta. Era também uma espécie de juiz de inicio de carreira, quando letrado (bacharel em direito). Em 1851, seu salário era de um conto de réis por mês, hoje equivalente a doze mil reais – um bom estipêndio, numa época em que não havia desconto previdenciário nem o leonino confisco do imposto de renda.
Segundo a legislação do império (Decreto nº 687 de 26 de julho de 1850), somente depois de 4 anos de exercício no cargo de juiz municipal, é que ficaria habilitado ao cargo de juiz de direito, mesmo assim, era necessário um irrepreensível desempenho do ofício, ou seja, um exercício com distinção, conforme art. 1º do referido decreto.
O Dr. Bernardo, talvez em virtude de sua vida boêmia na cidade e sobretudo por causa de seus entreveros com o juiz comarcano Dr. Virgínio, que resultaram em processo de um contra o outro, com repercussão na imprensa carioca, não se habilitou ao cargo de juiz de direito e, depois de sua segunda investidura na magistratura, deixou esta para se dedicar à literatura, sendo autor do conhecido romance “Escrava Isaura” e do conto “O Ermitão de Muquém”.
O Dr. Cavalcante habilitou-se ao cargo de Juiz de Direito, mas faleceu com 59 anos de idade, quando pretendia retornar à então província de Pernambuco, depois de longo tempo na magistratura, jamais igualado em duração por todos os juízes da comarca, a não ser pelos da atualidade, Dr. Marcos Vinicius e Dr. Antenor Eustáquio Borges Assunção. A sua primeira nomeação foi por ato do presidente da província. A segunda investidura se deu por carta de provimento assinada pelo imperador D. Pedro II. Em duas oportunidades foi reconduzido ao cargo, por atos do Ministro da Justiça do Império; numa das quais, o ministro era o consagrado escritor José de Alencar.
A segunda nomeação do Dr. Bernardo Guimarães, em 1861, acredito tenha sido também por ato imperial, embora os registros do Des. Clenon de Barros Loyola, em “Memória do Poder Judiciário de Goiás, de autoria de Geraldo Coelho Vaz, afirmem o contrário. Acontece, todavia, que um ofício da Câmara Municipal de Catalão, em 1861, na época integrada pelo Dr. Cavalcante, então advogado e vereador, ao felicitar o juiz nomeado, refere-se a ato do imperador, conforme Luis Palacin Gomes menciona em “História Política de Catalão”, obra que escreveu em parceria com os historiadores Juarez Costa Barbosa e Nasr Fayad Chaul.
Um fato que fortalece meu ponto de vista é que, se o Dr. Bernardo não tivesse o “status” de um juiz nomeado pelo imperador, por certo não teria tido um certo respaldo em sua contenda com o Dr. Virgínio, sendo que chegou a processá-lo, com decreto de prisão, em ação penal por abuso de autoridade. Tal processo muito influiu para que Dr. Virgínio fosse preterido na promoção ao cargo de desembargador. É bem possível que tenha ficado muito desgastado politicamente, na esfera imperial, por sua vã tentativa de fulminar o mandonismo coronelístico imperante em Catalão. Ele, certa feita, graças à enérgica intervenção do Dr. Cavalcante, que cumulava as funções de delegado de polícia, não teve sua casa invadida por sicários do coronel Roque (chefão político local), que, mesmo sem mando deste, pretendiam arrebatar um processo em poder do juiz comarcano.
Dr. Cavalcante teve destacada influência na pacificação dos ânimos exaltados da política local, mais tarde agravados com o advento da República, haja vista o assassinato do senador Antônio Paranhos e a posterior vingança da família contra o capitão Carlos de Andrade, acusado de ser o mandante do crime acontecido na frente da casa deste, na vizinhança do histórico casarão onde residiram os Drs. Bernardo e Emiliano, bem próximo à praça central da cidade, na qual ficava a residência do senador assassinado.
E a violência perdurou na cidade até 1936, quando aconteceu a invasão da cadeia pública e o cruel assassinato do jornalista e farmacêutico Antero Costa Carvalho, com a conivência da chefia política dominante e a omissão das autoridades locais, principalmente do arbitrário delegado de polícia José Francisco Póvoa, muito corajoso para promover inquéritos com tortura e medroso para defender a cidadela prisional, onde, no início dos anos 50, havia uma pichação na parede externa, com irônicos dizeres: “PENSÃO DE CONFIANÇA”.
(Vivaldo Jorge de Araujo, ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, escritor e procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás)