“O impulso em venerar ricos e poderosos, e desprezar pessoas pobres, é a maior causa da corrupção dos sentimentos morais”.
(Adam Smith)
No auge da grande crise financeira de 2009 a imprensa internacional publicou a confissão de um grande banqueiro: "precisamos ser controlados, o sistema financeiro não tem limites e nem escrúpulos". Ao fazer o último discurso antes de vencer a eleição daquele ano, o candidato de oposição à presidência francesa disse que "nosso maior inimigo não é nenhum partido, mas o setor financeiro." Nos EUA, pátria do capitalismo, os banqueiros vivem prestando contas à justiça, alguns na cadeia pelo resto da vida.
Em poucos lugares do mundo banqueiro é idolatrado. Ainda que em países desenvolvidos europeus os bancos tenham um papel social de, por exemplo, mais financiar estudantes do que apenas arrancar o couro da povo, no máximo o sistema financeiro é aceito como um mal necessário ao sistema. Mas sempre sob controle.
O contrário acontece no Brasil e outros países subdesenvolvidos, onde os banqueiros controlam tudo, endeusados por parte da população.
Nunca vai aparecer um banqueiro brasileiro com grau de sinceridade e fazer mea-culpa como aquele de 2009. Banqueiros no Brasil são considerados "santos iluminados" pela pequena burguesia e gente ignorante e egoísta.
Tempos atrás o banqueiro Olavo Setúbal, em entrevista à principal revista brasileira, disse que "Brasileiro reclama demais". Outro banqueiro, Walter Salles, metido a cineasta, disse em outra entrevista que "no tempo do regime militar a gente sofria muito, pois tinha muito controle de polícia no trânsito e nas estradas, em busca de subversivos".
O Brasil é realmente o país dos absurdos. O povo mais pacato e banana do mundo é acusado de "reclamar" muito por um banqueiro e o outro lamenta que a luta contra a ditadura atrasava seus deslocamentos, logicamente em carro com motorista particular.
Naqueles tempos, banqueiros criaram um braço paramilitar para colaborar na repressão contra os que lutavam pela democracia, que ficou conhecido como Operação Oban.
A Oban era formação paramilitar de ação direta e violenta à margem da lei, com agilidade e brutal eficácia. Entre os episódios mais cruéis de tortura cometidos pela Oban encontra-se o ocorrido em fevereiro de 1970 no Presídio Tiradentes, com o frade dominicano Tito de Alencar Lima, Frei Tito, à época com apenas 24 anos. Em depoimento Frei Tito relata ter ouvido a seguinte frase do Tenente Mauricio Lopes Lima: "você agora vai conhecer a sucursal do inferno". As feridas espirituais da tortura sofrida por Frei Tito jamais se cicatrizariam. Ele viria a se enforcar mais tarde, na França, onde conseguiu breve acolhida na ordem dos Dominicanos. Patrocínio: banqueiros brasileiros.
Coube a Delfim Neto e a Gastão Vidigal (Banco Mercantil de SP) reunir representantes de grandes bancos brasileiros para pedir fundos, entre os quais gente como Amador Aguiar do Bradesco e Camargo Côrrea, da construtora de mesmo nome. Parte da verba era para gratificar agentes mais brutais e assassinos. Entre os mais entusiasmados, Henning Boilesen, dinamarquês diretor do Grupo Ultra, chegou a participar de sessões de tortura e teria inventado ferramenta que levou seu nome: a Pianola de Boilesen, teclado que emitia choques elétricos nos órgãos genitais. Em 1970, quem comandava a Oban (oficialmente o DOI-Codi) era Carlos Alberto Brilhante Ustra, major de artilharia do Exército, conhecido também nas rodas da tortura como Major, Doutor Silva e Doutor Tibiriçá.
“Nem Deus muda a República dos banqueiros”, testemunha Hélio Fernandes, decano dos jornalistas brasileiros em altividade, do alto de seus 97 anos. E continua: "há anos o cidadão espera receber o roubo dos bancos. O Supremo começou a examinar os prejuízos de centenas de milhares de pessoas, dizimadas por cinco planos engendrados por economistas incompetentes: Verão, Bresser, Cruzado e o Collor I e Collor II. Os banqueiros não perderam nada, tiveram lucros em todos esses planos. E economistas que planejaram e arruinaram cidadãos, continuam cada vez mais prestigiados, donos de consultorias arrogantes, parece até que não participaram dessa fraude trilionária, que para eles se acumula como vitória profissional e aumento de contas bancárias. O terrorismo dos banqueiros se manifesta assim: não deixam ninguém examinar a questão. Espalham as maiores fraudes, engavetam devoluções do dinheiro. Aproveitam-se da liberdade de Imprensa, e divulgam números assustadores: “Se tivermos que pagar, o Brasil vai à falência junto conosco”.
Para citar apenas um outro absurdo mais recente, o caso das contas do Banestado, enterrado em um manto de impunidade, teria dado mais prejuízos ao Brasil do que os roubos apurados pela Lava-Jato. Nem vale citar escândalos passados e nem lembrar que o banqueiro Daniel Dantas comprou e pagou sua impunidade no STF.
Os banqueiros vivem em uma zona obscura da sociedade brasileira, sem os holofotes da imprensa, da Justiça, da Polícia e do Ministério Público, que hoje iluminam as mutretas dos outros podres poderes.
Mas são eles os maiores responsáveis pelas crises constantes, pelo subdesenvolvimento e pelo apartheid social e pelo genocídio nacional.
Não foi nenhum esquerdista mas Adam Smith, o pai do capitalismo, quem disse que “o impulso em admirar, e quase venerar, os ricos e os poderosos, e desprezar ou negligenciar pessoas pobres é a maior e mais universal causa da corrupção dos nossos sentimentos morais”.
Banqueiros são os maiores inimigos também do capitalismo, do empreendedorismo, são os parasitas maiores da humanidade.
Se não gostam desse papo de economia ou algo mais profundo, assistam um agradável filme musical, Mary Poppins. Em uma das cenas, um produtivo capitalista inglês vai à falência para abarrotar os cofres improdutivos dos bancos.
Pois eis que no Brasil de hoje, os banqueiros não precisam bancar grupos paramilitares e desistiram de patrocinar indiretamente candidatos venais para defender seus interesses.
Resolveram lançar seu próprio candidato, mais rico dos concorrentes, um imbecil que nunca explica o que produziu para ter tanta riqueza, e que se candidata escondido sob a máscara manjada de um "partido novo".
Quando vejo o rosto dele, eu me lembro dos testemunhos de vizinhos entrevistados por jornalistas, quando o psicopata que morava ao lado é enfim descoberto e preso: "ele era um menino tão simpático, parecia tão bom, com um sorriso tão puro".
Em 15 de abril de 1971, o torturador Boilesen foi morto na capital paulista por heróicos militantes da Ação Libertadora Nacional e do Movimento Tiradentes, sob o comando de Carlos Eugênio da Paz, o "Clemente".
Por mais ingênuo que seja, o povo brasileiro deveria deixar de tanta clemência e matar essa nova velha ameaça dos banqueiros com uma completa e total indiferença. Mas como ingenuidade não tem limites, não custa também ajudar com algumas palavras.
(W. Tede Silva realizou os filmes "Tudo São Referências, Tudo São Memórias" e "Matrículas Abertas, Vagas Limitadas")