Uma carta chegou a Lula no cativeiro curitibano. Assinada por um fiel companheiro do ex-presidente, deixa claro que ele preferia outro em lugar do ungido Haddad. Teme que se repita quanto se deu com Dilma Rousseff. Diz ter ouvido referências preocupantes a respeito de comportamentos do escolhido na prefeitura de São Paulo: centralizador e escassamente inclinado a manter contato com gente do povo.
Entra em jogo, segundo o missivista, uma questão de classe social, de sorte a imaginar em Haddad um resistente natural à ideia de radicalizar, a ser cultivada desde já na perspectiva do futuro. O ex-prefeito, uma vez alçado a candidato à Presidência, precisa entender de imediato que, se vencer o pleito, terá sido graças à força de Lula e do esforço coletivo de quem se empenha a favor do PT.
A carta existe, não é invenção do acima assinado, e tal é a verdade factual. E navega sobre a falta de esclarecimentos a respeito das razões da escolha e sobre a apressada convocação de um vice do vice enquanto o ex-presidente continua candidato.
Lula tem autoridade e poder para ungir quem bem entende, assim como a teria se escolhesse a si próprio em vez de Dilma em 2014, ou após a reeleição, no momento de formar o novo governo, assumisse a chefia da Casa Civil, ou desde a posse da presidenta organizasse as fluviais caravanas que tardiamente promoveu quando a Inquisição já o condenara.
Houve um misto de hesitação e confiança temerária nas chances de negociação, embora o golpe se perfilasse no horizonte próximo com o objetivo final de alijar da eleição presidencial o favorito absoluto. Fica provada a incapacidade de perceber, em toda a sua dimensão, a ferocidade da casa-grande, capaz de promover a politização do Judiciário, de se valer das quadrilhas instaladas no Executivo e no Legislativo, e de se manifestar por meio da mídia nativa.
O problema é a forma mentis: não faltam no PT os crentes da conciliação velha de guerra, embora não participem da chamada elite, enquanto um respeitável número de tucanos honorários se declara petista.
Sou amigo de Lula há mais de 40 anos e, desde o começo de 1978, acompanhei as greves deflagradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, desassombrada forma de resistência à ditadura, e a gestação do Partido dos Trabalhadores, enfim surgido com um forte ideário de esquerda após a reforma partidária do final de 1979, levada a cabo pela ditadura com o propósito de estilhaçar o MDB do doutor Ulysses.
Daí em diante, sempre votei no partido e no seu fundador, na qualidade de cidadão e de jornalista, na certeza de que um forte partido de esquerda seria indispensável à modernização do País. Nunca me filiei ao PT, a despeito da insistência de outro amigo, Jacó Bittar, dono, aliás, do famoso sítio de Atibaia posto à disposição nos fins de semana da família Lula da Silva em proveito da fúria inquisitória de Sergio Moro.
O apoio a Lula acabou por me indispor com dois patrões em fases distintas de IstoÉ, Fernando Moreira Salles, em 1981, e Domingo Alzugaray, em 1993, quando já havíamos deixado de ser sócios. Em ambas as situações, perdi o emprego.
No galope do tempo, o PT abrandou a sua plataforma ideológica, o que aos meus olhos pareceu boa estratégia à luz dos acontecimentos mundiais, mas no poder portou-se como as demais agremiações políticas brasileiras, duradouras ou de ocasião, o que configura outra verdade factual. Mesmo assim, em momento algum me afastei de Lula, como meus leitores hão de ter constatado.
Nem por isso abandono a convicção de que o ex-presidente poderia ter evitado o golpe e tudo quanto se seguiu até o objetivo final da sua condenação sem provas e prisão sem crime. Acertada, a meu ver, a manutenção da candidatura até o derradeiro instante possível, e acredito na vitória de Fernando Haddad nas próximas eleições, conquanto, sem Lula, não passem de uma fraude.
Permito-me apenas perguntar aos meus pensativos botões como no caso reagirão os golpistas. Veremos o que veremos, respondem.
(Mino Carta, é um jornalista, editor, escritor e pintor ítalo-brasileiro)