Disse-lhes ainda Jesus: “Quem dentre vós, se tiver um amigo e for procurá-lo no meio da noite e lhe disser: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque outro amigo meu acaba de chegar de viagem e nada tenho para lhe oferecer’, e se ele responder de dentro:
‘Não me importunes; a porta já está fechada, e meus filhos estão deitados na cama comigo; não posso me levantar para dá-los a ti’.
Digo-vos: embora não se levante para ajudá-lo por ser seu amigo, ao menos por causa da sua insistência se levantará e lhe dará tudo aquilo de que precisa”.
“Por isso, também eu vos digo: Pedi e vos será dado; buscais e achareis; batei e vos será aberto, porque todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bate, lhe será aberto.
Quem de vós é o pai que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se este lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? Ou ainda, se o filho pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus, dará boas coisas e o Espírito Santo aos que lhe pedirem!
Portanto, tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o assim também vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas”. (Evangelhos de: Mateus, cap. 7, vv. 7 a 12 – Lucas, cap. 11, vv. 5 a 13).
Nesta parábola do amigo importuno, Jesus demonstra que a persistência poderá fazer com que Deus nos atenda a certos pedidos mesmo sabendo que não será o melhor para a nossa evolução espiritual. Por exemplo, no caso do rei Ezequias, um dos mais virtuosos reis de Israel, conforme o livro de Isaías (38:1-5):
“Naqueles dias, Ezequias adoeceu de uma enfermidade mortal; veio ter com ele o profeta Isaías, filho de Amoz, e lhe disse: Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás. Então, virou Ezequias o rosto para a parede e orou ao SENHOR. E disse: Lembra-te, SENHOR, peço-te, de que andei diante de ti com fidelidade, com inteireza de coração e fiz o que era reto aos teus olhos; e chorou muitíssimo. Então, veio à palavra do SENHOR a Isaías, dizendo Vai e dize a Ezequias: Assim diz o SENHOR, o Deus de Davi, teu pai: Ouvi a tua oração e vi as tuas lágrimas; acrescentarei, pois, aos teus dias quinze anos.”
Ezequias, no entanto, nos quinze anos seguintes praticou o equívoco de mostrar os seus tesouros aos emissários da Babilônia, fragilizando o reinado e possibilitando mais tarde, no tempo do rei Zedequias, o cativeiro dos judeus pelas mãos de Nabuconoso.
Nesse contexto, observa-se que isso também acontece quando persistimos num objetivo que contraria a estrutura da nossa evolução espiritual. Não raras vezes, o espírito encarnante solicita aos mentores do Mundo Maior certos compromissos, condições e circunstâncias que não é capaz de cumprir ou de suportar, por exemplo: solicita provas que não tem estrutura intelecto-moral para superar. Por isso, muitos sucumbem diante das provas da riqueza, da pobreza, da beleza física, da fama, do poder, da orfandade, das enfermidades físicas e mentais e das condições físicas, materiais, mentais, psicológicas e sociológicas excessivamente favoráveis ou desfavoráveis etc.
Do mesmo modo que os espíritos escolhem mal as suas condições encarnatórias, igualmente ocorre depois de encarnados. Muitos indivíduos persistem em propósitos, quase sempre de natureza material, que lhes causarão sofrimentos atrozes. Não são raros os que se dedicam à uma atividade profissional com o único propósito da recompensa material, sem pensar nas consequências morais nefastas de quem trabalha sem amor. Nesse contexto, seguem-se casamentos, uniões interpessoais, escolhas motivadas por interesses ou ambições exclusivamente material.
Muitos podem questionar: ‘Como pode o Pai autorizar certas bênçãos ou sofrimentos sabendo que o espírito não terá condições de administrá-los, de suportá-los ou de superá-los?’ Isso é para que aprendamos, por meio do bom uso do livre-arbítrio, a escolher com sabedoria o melhor caminho para a evolução. Ainda assim, Deus apresenta situações ou sinais, indicando se estamos no caminho da sensatez ou não, se devemos prosseguir ou desistir de tal propósito. Isso, por meio da consciência que registra todas as necessidades evolutivas do espírito e os acontecimentos que sinalizam favorável ou desfavoravelmente pela continuidade ou descontinuidade da escolha. Até mesmo o modus operandi, ou seja, o modo de agir adotado para atingir o objetivo desejado é analisado por lei naturais da evolução espiritual, as quais sinalizam para a consciência.
Caso não aprenda a se conhecer ou permaneça voluntariamente no estacionamento evolutivo que adentrou, chegará o tempo em que o espírito recalcitrante terá encarnações compulsórias, ou seja, sem direito as escolhas proporcionadas ou supervisionadas por seu livre-arbítrio. Desse modo, por meio de programas evolutivos compulsórios, a Lei Moral do Progresso possibilita medidas emergenciais para que o espírito não permaneça estacionário por tempo indeterminado.
Indubitavelmente, as nossas escolhas ainda estão pautadas por interesses da aparência. Muitos são os que vivem na periferia de si mesmos e têm medo de fazer as escolhas necessárias para os seus programas evolutivos. Carregam pesados fardos e sucumbem pelas vias de uma vida de aparências. Adotam posturas que não querem ou não podem sustentar por muito tempo.
O “amigo importuno” somos todos nós, amados por Deus, o Amigo Maior, quando persistimos, de forma equivocada, nos pedidos, nos atos e nas orações sem a devida percepção das consequências morais danosas desses procedimentos. Quase sempre justificamos a procedência desses pedidos e não atentamos a respeito das inconveniências do tempo e da razão que os acompanham. Torna-se evidente que o amigo tinha o direito de pedir ajuda, mas não tinha o direito de insistir depois da negativa. Deveria tomar outra providência para atender as necessidades prementes. O seu incômodo desrespeitou o direito do seu amigo que parece ter sido incomodado outras vezes. Havia uma intimidade entre eles, mas a intimidade não justifica o desrespeito, as ausências de percepção, de sensibilidade diante da realidade ou da circunstância do outro. O amigo importuno deveria tomar outra providência para preservar o seu amigo e a sua família, mas foi atendido mesmo assim devido a sua persistência.
Deus, na sua imensa misericórdia, sabe amparar os seus filhos diante das dores sofridas em decorrência do mau uso do livre-arbítrio. Não desamparou o rei Ezequias por não saber aproveitar as bênçãos dos quinze anos acrescentados para organizar a sua vida. Ainda que os seus filhos não saibam aproveitar as bênçãos recebidas, o Pai possibilita o processo educativo para que a consciência intelecto-moral esteja alinhada com a Sua Vontade soberana. O ideal é que repitamos em nossas orações: ‘Pai, eu quero muito isso, mas que seja feita a Sua vontade e não a minha, pois que sou limitado e sem a completa visão do que é plenamente melhor para mim’. O Pai oferecerá o melhor para a senda da evolução ou do aperfeiçoamento espiritual, pois o Seu Amor supera o amor de qualquer pai ou de qualquer mãe em relação aos seus filhos. No caso do amigo da Parábola é melhor que ele diga: ‘Amigo eu quero muito os três pães para dar ao meu visitante, mas que seja feita conforme a sua vontade e não a minha’. Desse modo, o amigo importuno deixará de importunar, pois cumprirá a recomendação de Jesus: “Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o assim também vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas”. É a postura do verdadeiro amigo, o qual nunca importunará os seus amigos, nem os seus entes queridos, nem a Deus.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás e da Academia de Letras de Goiânia)