Santa Cruz de Goiás canta parabéns a um senhor, nascido aos 14 dias do mês de setembro de 1918. Ainda, criança, arrebatado de seu convívio natural, fora trazido de Prados/Minas Gerais para Santo Antônio da Esperança (Rio do Peixe) distrito de Santa Cruz de Goiás, pela família Mendonça. Um mês viajando, em carro de boi. Aqui se aportou, se integrou.
Unimo-nos para comemorar! Homenagear o nosso irmão!
No nosso imaginário vislumbramos o nascimento desse ser de luz. Seu Pedro, Pedro Papiri, como carinhosamente o chamamos está sempre sorridente, disposto a prosear; cada olhar que ele lança vem regado de um contagiante sorriso.
Fez um trajeto de vida intercambiando o trabalho na roça e o apreço aos santos de sua devoção. “Trabalhou como retireiro, serralheiro, carreiro. Tudo que uma fazenda exigia, ele fazia”, assim, afirma Luís Fernando, em seu Relatório sobre os remanescentes de quilombolas da região do Mucambo/Rio do Peixe/Santa Cruz de Goiás. Nos intervalos da lida, diária, se dirigia aos conselheiros espirituais de onde tirava energia para trilhar os rumos que lhe foram impostos.
Seu rosto enternecido, seu largo sorriso emoldura a paisagem cultural e religiosa de Santa Cruz de Goiás. Cabisbaixo, trôpego, tranquilo. Presença marcante nos folguedos religiosos: algumas vezes, carregando a “cruz santa”, nas procissões; outras vezes, despindo-se do personagem Pedro, e revestindo-se do personagem “Benedito, o santo!”, cuja cor e trajetória se assemelham. Nossa Senhora do Rosário, foi e, é, junto a São Benedito, a intercessora com quem tanto contava e conta nas horas de aflições.
Pedro Miguel Arcanjo, nosso estimado Pedro Papiri, o colono, traz altivez na alma e rigidez na palma de cada mão. Mãos calejadas devido ao atrito gerado pela robustez do cabo da enxada ou outro instrumento de trabalho. Não frequentou escolas, mas tem a sabedoria de cem anos (sobre) vividos! Marcas do passado estampam seu semblante pensativo. Percebe-se uma nostalgia momentânea, cujo reflexo emite, imaginariamente, recordações de seu pai e saudades do útero de sua mãe, - cuja finitude ocorrera em seu parto - uma legitima africana que, certamente, fora “transformada em coisa”: “propriedade dos donos de terra” daquele tempo.
“Decifrar o cotidiano desse grande homem na história cultural santacruzana, embaralhado à história de Goiás e do Brasil, dentro dos preceitos da escravatura ,é viajar na amálgama entre “o sincretismo social e os elementos culturais díspares, originários de diferentes visões do mundo”. “Somos iguais”, porém, “a imensa desigualdade demonstra a realidade arbitrária deste discurso”.
Seu transporte era o cavalo. Seus médicos, os curandeiros. Sua cama, muitas vezes, o cerrado. Nove filhos em um casamento arranjado.
“Lembra-se do banguê?”— Pergunta cabisbaixo: - “Eu carreguei muitos amigos naquilo!”.
A você, Pedro, o nosso carinho, a nossa gratidão e o nosso respeito!
Parabéns!!!
(Fátima Paraguassú: historiadora, musicista, pesquisadora, secretária geral da Adasanc: Associação dos Amigos de Santa Cruz- fatipar@hotmail.com)