Na manha da última quarta-feira, veio a notícia da partida de uma pessoa querida. Fiquei num momento de introspecção e ouvindo ao longe, próximo ao Parque Vaca Brava, um sabiá que entoava seu cântico melancólico, em perfeita sintonia com meus sentimentos.
Receber a notícia da partida de alguém com quem convivemos, ainda que não continuamente, nunca é agradável. Incomoda muito a partida das pessoas de quem sempre estivemos por perto em momentos festivos e alegres. Este até-logo não é fácil para ninguém, mesmo tendo a consciência de que para todos é o inevitável.
Valéria, foi professora, musicista, filha de família tradicional de Goiás e pioneira de Brasília, casada com o grego Christos Rodopoulos, sempre nos recebia em sua casa em Brasília, com imensa alegria. A receptividade do casal era tamanha, que sempre me senti em casa.
Falar de Valéria é ir ao encontro ao sorriso; à sinceridade, muitas vezes áspera e direta; ao ciúme que tinha dos amigos; do seu extremo bom gosto e elegância; do cuidado e grande amor pela família e pelo marido; da sua paixão enorme pelos animais. Adjetivar suas virtudes é lenitivo à dor da saudade, pois sabemos que, após o desencarne, o que verdadeiramente vale são nossas ações para o bem: as virtudes sempre pesaram mais em sua vida.
Há três anos Valéria lutou bravamente contra um câncer – a mesma doença que vitimou sua querida mãe, dona Nair, que tive a alegria de conhecer. Esta partida a fez sofrer muito pelo apego a mãe. É uma doença cármica que nos consome sem piedade. Exauridos todos os recursos e esperanças, mesmo as pessoas de fé decaem em profunda melancolia e depressão. O silêncio, muitas vezes expressa uma dor inenarrável.
Todos os recursos foram disponibilizados em busca da cura. Toda atenção foi-lhe dispensada. Todo o amor de seus familiares e amigos, recebidos. Mas eis que chegou o momento inadiável da partida, para a qual nenhum de nós está preparado. Deixou-nos a saudade e levou a certeza de ter vivido intensamente por seus amigos e familiares.
Perdi meu pai em 1997 após cinco anos de tratamento e dores – para ele, no corpo e para nós na alma – acometido da mesma doença. O câncer continua a ser o grande desafio da medicina. Ele, tal qual Valéria, buscou todos os tratamentos, que não foram suficientes. Faleceu em meus braços, não havendo de minha parte a dor por sua partida, mas o alívio do término de seu sofrimento.
A nossa vulnerabilidade ante a vida é indubitável. O inevitável para todos é o fim de nossas energias vitais. Morremos segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora; dia a dia. Contudo, creio que a morte não seja o fim, mas o recomeço de nova fase, da qual viemos e para onde todos voltaremos.
Questiona-se muito sobre o que há além das fronteiras do sepulcro. Para os católicos, céu, purgatório e inferno; já os espíritas, dizem haver o plano espiritual. Para os budistas, renascimento; no hinduísmo, transmigração; e o islamismo (Religião Muçulmana) nos diz de juízo final. Os cristãos evangélicos creem em céu ou inferno – e os niilista, o fim de tudo.
A sobrevivência do espírito humano à morte do corpo físico e a crença na vida e no julgamento após a morte já era encontrada na filosofia grega, em especial em Pitágoras, Platão e Plotino. Já Sartre, filósofo francês, defendia que o indivíduo tem uma única existência. Para ele, não há vida nem antes do nascimento e nem depois da morte. Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec), com a Codificação espírita – um conjunto de cinco livros, escritos na França, no século XIX, desmistificou o que muitos ainda questionam.
Mas o que nos conforta diante da saudade é a fé que professamos, independentemente de qual seja. O que nos traz conforto são as orações, que são a intercomunicação com Deus e com quem amamos. São os abraços e apoio dos amigos e familiares, que não nos deixam sentirmo-nos sós. É a recordação sempre positiva e alegre de quem partiu. As lamentações e inconformidades nos prendem ao passado e é necessário prosseguirmos com nossas jornadas. Lembrar sempre com alegria – eis o caminho certo para o aceite do que não é fácil de compreendermos.
Todos nós iremos, cedo ou tarde. Uns precocemente, outros tardiamente. Há os que lutaram bravamente pela vida e os que se entregaram, os que a perderam tragicamente e aqueles de quem foram tiradas cruelmente. Todos nós teremos nossas histórias, escritas aqui ou em outros planos. O certo é que nunca há um fim, mas sempre um recomeço.
Aos irmãos de Valéria, aos seus sobrinhos, ao enteado, ao esposo, aos diversos amigos e amigas de terna convivência, recebam o meu fraterno abraço, convertido no desejo de muita fé e energias positivas para Valéria, que cumpriu sua missão com dignidade e resiliência.
Tenhamos sempre fé. E, confiemos na bondade do Pai Celestial.
Dominus vobiscum et cum spiritu tuo!
(Cleverlan Antônio do Vale, gestor público, administrador de empresas, pós-graduado em Políticas Públicas e Docência Universitária, sócio na empresa Valle Assessoria e Comunicação, articulista do DM)