Primeira negação de Pedro
Estavam os servos e os guardas sentados ao redor de uma fogueira que fora acesa no meio do pátio, e se aqueciam porque fazia frio. Pedro estava embaixo, no pátio, no meio deles, ora sentado, ora em pé, aquecendo-se.
Aproximou-se dali uma das criadas do Sumo Sacerdote, a porteira, e vendo Pedro que se aquecia, olhou para ele atentamente e disse: “Não és tu também, um dos discípulos deste homem?”
Ele respondeu: “Não sou”.
Ela disse: “Tu também estavas com Jesus Nazareno, o Galileu!”
“Não sei nem entendo o que dizes” — Disse Pedro.
Ela falou: “Este homem estava com ele”.
Ele, porém, negou diante de todos, dizendo: “Mulher, não o conheço”.
E foi para fora, para a entrada do pátio. E o galo cantou. (Evangelhos de: Mateus, cap. 26, vv. 69 e 70 – Marcos, cap. 14, vv. 66 a 68 – Lucas, cap. 22, vv. 55 a 57 – João, cap. 18, vv. 17 e 18).
Segunda e terceira negações de Pedro
Quando Simão Pedro, que estava em pé, aquecendo-se, ia saindo em direção à porta, outra criada o viu e disse-lhe: “Não és também tu um dos discípulos dele?”
Ele negou e disse: “Não sou”.
Ela disse aos que ali estavam: “Ele estava com Jesus, o Nazareu”.
E a criada, vendo-o, veio de novo dizer aos presentes: “Este é um deles!”
E de novo negou com juramento: “Não conheço esse homem”.
Pouco depois, um outro, tendo-o visto, disse: “Também tu és um deles!”
Mas Pedro protestava, dizendo: “Homem, não sou”.
*
E tendo passado cerca de uma hora, um dos servos do Sumo Sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: “Não te vi no jardim com ele?”
Pedro negou novamente.
E outro insistia: “Com certeza também este estava com ele, porque é galileu”.
Mas Pedro disse: “Homem, não sei o que dizes”.
Pouco depois, os presentes novamente disseram a Pedro: “Verdadeiramente tu és um deles, pois o teu modo de falar te denuncia, porque és galileu”.
Então ele começou a praguejar e a jurar: “Não conheço esse homem de quem falais”.
E, imediatamente, enquanto ele ainda falava, o galo cantou pela segunda vez.
Então, voltando-se o Senhor, fixou o olhar em Pedro. Pedro então lembrou-se da palavra de Jesus, como lhe havia dito:
“Antes que o galo cante hoje duas vezes, me negarás três vezes”.
E saindo Pedro para fora, caiu em si, e chorou amargamente. (Evangelhos de: Mateus, cap. 26, vv. 71 a 75 – Marcos, cap. 14, vv. 69 a 72 – Lucas, cap. 22, vv. 58 a 62 – João, cap. 18, vv. 25 a 27).
No pátio da casa do Sumo Sacerdote Caifás, onde estavam servos e guardas, Pedro foi indagado a respeito do seu vínculo com Jesus, se era seu discípulo. A resposta do apóstolo foi negativa. Diante da insistência da mulher que o reconhecia, Pedro “foi para fora, para entrada do pátio”.
O galo cantou pela primeira vez ao anunciar as primeiras horas do dia!
A caminho da porta do pátio, um criado e outra criada o reconheceram como sendo discípulo de Jesus e mais uma vez Pedro negou.
A terceira negativa de Pedro foi veemente. Depois de uma hora, um dos servos de Caifás, parente de Malco, que teve a orelha cortada por Pedro e curada por Jesus, também questionou: “Não te vi no jardim com ele?” Pedro negou. Também devido ao sotaque galileu do apóstolo, um homem e os demais presentes deduziram a aproximação de Pedro com Jesus. A negação do discípulo foi enfática.
O galo cantou pela segunda vez ao anunciar a chegada de um novo dia!
Ao perceber a movimentação no pátio, Pedro viu Jesus, que lhe fixou o olhar, o que fez lembrá-lo do que dissera a respeito de suas negativas.
Simão Pedro retirou-se do local, “caiu em si, e chorou amargamente”.
Diante do contexto, a negação de Pedro não configurou uma traição, mas uma estratégia para seguir os passos de Jesus naquele momento doloroso. Ao dizer que não conhecia Jesus, Pedro não quis abandonar o seu Mestre naquele momento grave, sendo preso ou expulso do ambiente. Ele tentaria, de algum modo, interceder por Jesus para evitar a condenação. No entanto, a tática de Pedro não seria eficaz porque forças religiosas e políticas se uniriam para a execução sumária que se aproximava.
Não raras vezes, a vida nos propõe testemunhos maiores, mas devido à miopia espiritual, perdemos oportunidades valiosas. Pedro não seria preso na casa de Caifás nem condenado, mas seria forçado a se retirar do ambiente, o que não o impediria de acompanhar os passos do Mestre. No entanto, ao ser reconhecido, o Grande Pescador não percebeu a importância espiritual do momento.
Por toda a vida, Pedro lamentaria o episódio de um haver negado ser discípulo do Cristo. Mais tarde, milhares de discípulos de Jesus dariam suas vidas nos circos de Roma porque não negaram pertencer ao fervoroso discipulado de Jesus.
Não se deve ceder aos caprichos do medo, do preconceito, do materialismo ou de algum pensamento destorcido em detrimento da verdade. Pedro teve as melhores das intenções, mas se firmou na inverdade para que seu plano fosse adiante, atitude não recomendada por Jesus.
Pedro, no entanto, aprendera a lição. Ele percebeu que não estava pronto para a bebida amarga do cálice de Jesus. A Cruz do Cristo não poderia ser compartilhada por quem não poderia suportá-la. Nada poderia alterar os desígnios de Deus revelados pelas Escrituras e Profecias de Jesus.
Em suas lágrimas de arrependimento, Pedro lembrou o diálogo durante a Última Ceia:
“Senhor, estou pronto a ir contigo tanto para o cárcere, quanto para a morte!”
“Disse-lhe Jesus: “Pedro, em verdade, em verdade, te digo: hoje nesta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes negarás que me conheces!”
“Mas Pedro disse com mais veemência: “Ainda que me seja necessário morrer contigo, de modo algum te negarei”.”
“E todos os discípulos disseram o mesmo”. (Mateus, 26:31-35; Marcos, 14:27-31; Lucas, 22:31-34; João, 13:36-38).
As lágrimas do Grande Apóstolo representam as angústias de quem ainda não atingiu a evolução espiritual almejada. Pedro amava Jesus e daria a sua vida por ele, mas ainda estava preso aos grilhões do seu nível evolutivo.
O processo de evolução espiritual também tem sido marcado por inúmeras promessas não cumpridas. O que mais decepciona não são a maldade e a violência e sim a fragilidade moral de quem não cumpre suas promessas evolutivas.
Muitas promessas morais, intelectuais, afetivas, religiosas, sociais e profissionais são quebradas constantemente. Isso, por intermédio de sucessivas negativas, causadoras de lágrimas de decepções, de arrependimentos e de lamentáveis dores físicas e morais.
Quantas vezes prometemos a Deus o nosso aperfeiçoamento intelecto-moral e ainda não cumprimos nossas promessas por falta de boa vontade, de amor, de caridade, de humildade, de disciplina e de trabalho. No entanto, o Pai Eterno nos conhece a todos do mesmo modo que Jesus conhecia os seus apóstolos, o que fez prever as negativas de Pedro e o afastamento de outros discípulos.
O olhar de Jesus dirigido a Pedro alcança a todos nós. É o olhar de nossas consciências que solicita fidelidade aos seus princípios de respeito aos direito naturais do próximo. É o olhar de compaixão que devemos aos nossos irmãos quando não cumprirem suas promessas, e nos abandonarem nos momentos mais difíceis de nossas vidas. É o olhar de Deus que eternamente nos convida à Suprema Felicidade de Seu Reino de Amor, Justiça e Caridade.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro tem pós-doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie. É autor da obra “Educação Emocional”, pela Editora Boa Nova. É membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia de Letras de Goiânia e da Academia Aparecidense de Letras)