Quando se afunilam os fatos para desembocar no dia da eleição, também se concentram as baixarias das campanhas. A cada dia que passa, assistimos desconsolados a um verdadeiro festival de ataques pessoais, que ocupam quase todo o horário eleitoral gratuito.
Escolado em eleição, posto que passei por todos os cargos na Justiça Eleitoral, posso dizer “de cadeira” que, não obstante o cenário atual, já houve sensível evolução no que concerne às campanhas. E o exemplo é ter eu sido um neófito candidato a deputado estadual e não sofri um só ataque de quem quer que seja para enlamear minha honra. Seguramente nada acharam no meu pratrasmente.
Nosso Código Eleitoral, de aspecto paleozóico, clama por uma urgente e profunda modificação, para adequar-se à evolução da sociedade, de sorte a ser um diploma legal perene, que apenas serve de referência, pois, na verdade, a Justiça Eleitoral é dirigida à força de resoluções, que vêm bem ao sabor dos casuísmos que regem os pleitos.
Nas eleições passadas havia certas coisas que, graças a Deus, sumiram do panorama das campanhas.
Uma delas era aquela falta de vergonha que consistia em o servidor público afastar-se do cargo, com remuneração, desde o registro da candidatura até após as eleições. Observava-se que havia “candidatos” que tinham dois, três, cinco votos, num claro atestado de que apenas usavam do cargo para tirar uma licença remunerada.
Em um dos encontros da Justiça Eleitoral (eu Presidente do TRE), propus que, a persistir essa licença remunerada, o candidato que não obtivesse uma votação mínima (que nem me lembro mais qual era), seria obrigado a ressarcir o Erário ao fim da licença. Evidentemente que não pode ser creditado à minha proposta, mas o fato é que não existe mais essa figura, acabando com a farra dos eternos candidatos que se afastavam apenas para fazer campanha para os outros.
Evoluiu também a Justiça Eleitoral ao proibir os chamados “showmícios”, as camisetas e os brindes. Isto trouxe um freio ao poder econômico, nivelando os candidatos, pois todo mundo passou a ter os mesmos direitos, competindo, nesse aspecto, em pé de igualdade.
Antes, os mais abastados traziam, a peso de ouro, duplas famosas para arrebanharem o povo em torno de um palanque, e houve muitos casos em que o apelo popular levou à eleição de artistas, jogadores de futebol e radialistas, que, sem o mínimo tique de políticos, ocuparam o lugar de alguém que poderia ser mais bem aproveitado no Parlamento.
No Tocantins, na minha época de TRE, até se ensaiou a candidatura do pagodeiro Vavá a deputado por encomenda de Siqueira Campos, e a desistência de sua candidatura diante da proibição dos “showmícios” apenas veio corroborar que cantores, radialistas e jogadores de futebol eram apenas chamariz de votos para, elegendo-os, engordar a legenda e aumentar os quocientes partidário e eleitoral. Agora, esta farra também acabou.
A proibição de brindes, camisetas, “bottons” e outras coisinhas que desnivelavam as campanhas e davam força ao poder econômico acabaram por tentar colocar os candidatos em pé de igualdade, dando um sopro de democracia às campanhas.
Mas ainda falta muita coisa para colocar as eleições no seu verdadeiro sentido. Uma delas é a propaganda eleitoral. Não será surpresa se nas próximas eleições (se os deputados e senadores tiverem a coragem de mudar) a propaganda se restringir – como nos países adiantados – a divulgar as propostas dos partidos e dos candidatos, proibindo, terminantemente, os ataques pessoais, que nestas eleições enlamearam as campanhas. Em vez de apresentarem propostas de governo, os candidatos ocupam 90% de seu tempo mexendo na ferida alheia, levantando defuntos antigos, difamando os adversários e esquecendo-se de levar ao eleitor as propostas. E, à falta de propostas, preferem, já na undécima hora, comprar votos.
O TSE deveria restringir a propaganda ao seu sentido verdadeiro, não permitindo, de forma alguma, que os pronunciamentos saíssem da plataforma eleitoral para adentrar a vida pessoal, sob pena de cassação da candidatura dos ofensores. Com isto, dar-se-ia um fim à podridão que leva a público assuntos que ferem a privacidade do cidadão, num autêntico festival de baixaria. E a própria Justiça Eleitoral seria beneficiada, pois não precisaria mais conceder o direito de resposta nem tirar do ar programas ofensivos. Além do que, com isto, saber-se-ia quem tem o melhor plano. Os eventuais ataques pessoais, que ocorrem de parte a parte, seriam resolvidos na Justiça comum.
Deveriam também as pesquisas ater-se aos planos de governo e ser muito fiscalizadas, pois, como o brasileiro não sabe votar, ainda é daquela época em que é levado a votar no líder das pesquisas, porque “não quer perder o seu voto”. Não sabendo da força que tem para modificar as coisas através do sufrágio.
As redes sociais vêm entupindo os espaços com verdadeiros absurdos: estes dias, Haddad resolveu eliminar a cor vermelha de seu partido, substituindo-a pelas cores verde e amarelo (que são as de Bolsonaro). Mas o objetivo, talvez, seja cativar o eleitor ou – o que é mais provável – confundi-lo: tão logo se operou a mudança das cores, manifestantes petistas, trajados de camisetas verde-amarelas e empunhando a Bandeira Nacional, promoveram uma passeata pelas ruas do Recife, distribuindo capim, numa suja insinuação de que Bolsonaro estava tratando o sofrido povo nordestino de burros.
Só que os organizadores da passeata não contavam com a esperteza dos nordestinos: um recifense teve a cadência de anotar todas as placas dois veículos que ostentavam as cores de Bolsonaro, as faixas com palavras de ordem e a Bandeira Nacional, foi ao Detran e identificou os donos dos veículos: todos pertenciam a militantes petistas. Pura baixaria! Estou com meu amigo e abalizado advogado Nathanael Lacerda: “Esquerdista é burro: deviam ter feito a passeata com carroça, pois carroça não tem placa!”. E além disso, ficava mais adequado aos organizadores.
Hoje, em vez de apresentar uma proposta, um candidato ataca o outro, filho se rebela contra o pai, amizades se desfazem, a honra é enlameada, tudo em nome da ganância do poder.
Chega de baixaria!
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado. liberatopo[email protected])