Revisitando as pessoas queridas cujas imagens me chegam pelas janelas da alma, revejo um meu artigo sob o título acima, publicado originalmente em suplemento cultural de O Popular (Goiânia, 01-05-77), tentando redimir-me de uma dívida contraída para com a gentil amiga Cora Coralina, poeta-símbolo da cidade de Goiás, de cujas mãos recebi, autografada, sua preciosa publicação "Meu livro de cordel", com a seguinte incumbência: "Emílio, passe este livro para a maravilhosa língua italiana". E, sem falsa modéstia: "O livro pede e merece. Será assim valorizado". Assinado: Cora Coralina, Casa Velha da Ponte, Cidade de Goiás, 16 de abril de 1977.
À parte o fascínio que a língua de Dante e Petrarca - para citar apenas dois clássicos - sempre exerceu sobre os literatos, fiquei curioso por descobrir o fundo dessa sensibilidade especial de Cora Coralina pela língua italiana. Na acolhedora sala de visita da Casa Velha da Ponte, ela nos recebeu - excursionistas do Centro de Estudos Italianos - com alegria exuberante. E logo abriu seu livro de cordel, na página 64, fazendo questão de ler ela mesma, o seguinte, como homenagem também a dois italianos que compunham o nosso grupo:
- "Meu marido, de boa raça italiana, exaltava a família numerosa. Era um trabalhador arrojado, uma intuição admirável para negócios e uma obstinação total no ofício de padeiro e comércio de panificadoras. No mais, um homem cordato, de uma enorme capacidade de servir, só comparável à sua força de trabalho à sua fé inquebrantável na fabricação do pão. Tinha uma compreensão generosa e benevolente das criaturas, e encontrava sempre nelas a parte boa que nunca faltou a ninguém". - A citação equivale à leitura que Cora achou necessária para ilustrar aos visitantes sua afeição pelo caráter italiano, passando, em seguida, à apologia, em especial, da mãe italiana - seu amor, sua generosidade.
Os italianos, além de encantados, acharam fácil entender a língua clássica de Cora Coralina, lúcida, lógica, atraente. Ao mesmo tempo, deixando transparecer uma clara decepção, por não conseguirem entender essa língua portuguesa tão estropiada pelo nosso povo. Fica, portanto, tributado mais um elogio a Cora. Pelo sentido universal de sua poesia - embora de fonte autobiográfica - Cora bem merece ser traduzida, não só em italiano, mas em todos os idiomas que integram a mesma família linguística e mesmo espírito das culturas neolatinas. Seguem-se, para ilustrar, dois poemas por mim traduzidos, "Das pedras" e "Meu pai", que bem espelham a verve poética de Cora.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: evn_advocacia@hotmail.com)